O Grande Hotel do Luso e o Grande Hotel de Araxá começaram a ser construídos no mesmo ano, em 1938, muito à imagem do Grande Hotel Gellert, de Budapeste, que comemorou recentemente o seu centenário e foi o edifício inspirador de “O Grande Hotel Budapeste” (2014), de Wes Anderson.
Hospedei-me no Gellert na virada do século, quando a democracia húngara dava os primeiros passos. Os quartos imensos ainda exibiam elegantes elementos de arquitetura art deco, mas eram frios e úmidos, com as alcatifas manchadas e rasgões nas cortinas. Todo o magnífico edifício parecia ter sido saqueado, durante décadas, por sucessivas hordas de bárbaros. Os recepcionistas continuavam a atender os clientes com a lendária má vontade dos funcionários públicos, muito mal pagos, dos regimes do antigo bloco de Leste. As termas, contudo, mantinham o fausto dos primeiros tempos, quando Budapeste era ainda um dos dois corações do Império Austro-Húngaro (o segundo maior país da Europa, depois do Império Russo), com as suas colunas em mármore, as paredes cobertas de mosaicos coloridos, os vitrais nas abóbadas altas e as cinco piscinas, com água a diferentes temperaturas.
O charme da decadência é comum a todos estes grandes hotéis. Livros combinam muito bem com tal ambiente. Afonso Borges, o idealizador da Fliaraxá, deveria pensar em criar uma rede de festivais literários em grandes hotéis de termas, incluindo o Gellert (já estou me candidatando).
Em Araxá, a festa juntou cerca de cem escritores, que falaram para perto de trinta mil leitores. Estive na primeira edição do festival, há oito anos. De então para cá, a mudança mais impressionante não teve tanto a ver com o aumento do número de escritores e de leitores, mas com a forma como esses leitores se sofisticaram. Algo semelhante vem acontecendo em todas as comunidades que abrigam festivais de literatura, desde Olinda e Recife (com a Fliporto), até Cachoeira (com a Flica). A multiplicação de festivais literários vem melhorando o Brasil.
Para um escritor, não há melhor surpresa do que a de encontrar um bom leitor num lugar remoto. Um bom leitor é aquele que nos coloca questões inquietantes, capazes de mudar a forma como lemos os nossos próprios livros. Lembro-me sempre de um adolescente, um menino esguio e desamparado, que conheci numa escola, num bairro muito pobre de Brazzaville, na República do Congo. Logo na primeira pergunta compreendi que seria eu a beneficiar daquela conversa. Assim foi. Ainda hoje defendo teses, sobre um dos meus romances, que aprendi com ele.
Nas fumegantes piscinas do Gellert veem-se todos os dias senhores muito gordos, de muita idade, a jogar xadrez. É uma tradição ancestral, a de jogar xadrez nas termas. Nas piscinas do Luso e de Araxá não vi ninguém jogando xadrez. Em contrapartida, vi alguns leitores. Imagino rodas de banhistas discutindo literatura. Acho bonito.
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