sábado, fevereiro 6

De passagem

Numa homenagem a Tom Jobim, revi Mina cantando uma de suas obras e me invadiu a saudade da Roma que conheci de passagem, há cerca de uma década. Foram apenas quatro dias e chovia muito. Mas encontrar o lugar de meus sonhos valeu cada minuto.

Alguns cartões postais estavam em obras: o Coliseu parcialmente oculto por tapumes, a Fontana di Trevi sem água ou moedas, isolada por cordões. Percorri a cidade num ônibus turístico em que as laterais eram protegidas da chuva por lonas, lembrando nossos bondes abertos.

Quando o veículo fazia curvas, a água acumulada no teto jorrava em cachoeira e alguns pingos atingiam os passageiros. Mas nada abalava a alegria de estar na città dos cesares e musa de Fellini, encontrar, no meio do tráfego caótico, ruínas de antes de Cristo ou, numa avenida comercial, laranjeiras carregadas de frutos. Igualmente fascinante, ouvir por toda parte aquela língua sonora que fez parte da minha juventude, quando os cinemas exibiam com frequência dramas e comédias italianos e as rádios tocavam Mina, Ornella Vanoni, Rita Pavone, Domenico Modugno, Luigi Tenco, Pepino di Capri, Nico Fidenco, Sergio Endrigo, todos assíduos frequentadores do Festival de San Remo, que a tevê nos mostrava em preto e branco…

O hotel ficava próximo à rua das cantinas, tortuosa, estreita e coberta por paralelepípedos. O parceiro e eu escolhemos uma e, sem querer, encantamos um casal suíço ao lado, que nos ouviu conversar e perguntou que língua bonita era aquela que falávamos.

Durante o jantar, um músico chegou da rua com seu bandonéon e percorreu as mesas, cantando repertório conhecido, de diversas nacionalidades. Voltamos sobre pedras úmidas de sereno, alguma bruma que me lembrou Amarcord e a alma flutuando. Ainda vimos de longe o músico entrar em outro restaurante, o que devia fazer a noite toda.

Roma é mesmo acolhedora. Dela me abasteço hoje com documentários sobre geniais diretores e atores de cinema, cantores e compositores recentes, como Eros Ramazzotti, Laura Pausini e, claro, os tenores, além das breves recordações e trágicas notícias sobre a pandemia.

A escadaria do hotel, em mármore branco com filetes negros, mostrava, no último degrau, a palavra Ciao. Um dia ainda volto.
Madô Martins

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