terça-feira, fevereiro 23

Vai quem quer e faz quem quer

Vai Quem Quer fica em Duque de Caxias, na Baixada. Faz Quem Quer, em Rocha Miranda, no subúrbio. O que as une aqui não é a semelhança no nome. São os livros, o fato de serem favelas e a Favelivro, ação que une favelas e livros.

Tudo começou quando Demézio Batista, livreiro, resolveu lançar um “movimento literário”, que consistia em distribuir livros e abrir bibliotecas em favelas e periferias. Batizou o projeto de “Favelivro”, sem medo da palavra condenada pelo politicamente correto (“Quem mora na favela não se importa”). Para levar adiante a iniciativa, convidou Verônica Marcílio, professora de literatura e contadora de histórias.

Isso em 2012. Ano passado, inauguraram a Biblioteca José Mauro de Vasconcelos na Vai Quem Quer. Daqui a alguns meses, a Faz Quem Quer vai ganhar a Biblioteca Fernanda Abreu. Entre uma e outra, colocaram para funcionar a Sérgio Buarque de Holanda, em São Gonçalo, e a Hélio de la Peña, no Complexo do Caju. Outras nove estão a caminho.

Não há patrocinador oficial ou dinheiro público. Tudo vem de doações. Parceiros, como a Afrotribo e a Biblioteca O Mundo da Lua, ajudam no recolhimento do que é conseguido. Bibliotecários fazem trabalho voluntário na organização do acervo, na condução das atividades.

São os moradores que pedem a instalação das bibliotecas — e são também eles que escolhem a personalidade homenageada. A coisa é simples, espontânea, sem cálculos políticos ou estratégias de marqueteiros. Foi José Mauro de Vasconcelos por causa do hoje esquecido “Meu pé de laranja-lima”, clássico da literatura infantojuvenil dos anos 60 e 70. Foi Hélio de la Peña por uma inusitada militância botafoguense no Caju. Será Fernanda Abreu porque seu funk tem muitos fãs em Rocha Miranda.

E, como quem tem padrinho não morre pagão, Fernanda Abreu se mobilizou para conseguir mobiliário, Hélio de la Peña chegou carregado de caixas. Ambos abraçaram a causa e têm se empenhado na arrecadação de bons livros (há quem doe apenas para se livrar do que não quer mais na estante, do que não fica bonito como fundo de laive; há quem doe por saber que quem leva livros para uma favela leva mais que material de leitura: abre perspectivas, muda histórias de vida). “Os livros me levaram aonde estou”, diz o Hélio — que é “de la Peña” por ter nascido no subúrbio da Vila da Penha. Aonde os livros poderão fazer chegar os meninos da Cidade de Deus, da Vila Kennedy, do Morro do Querosene?

Em dezembro, seguindo os protocolos de prevenção à Covid-19, a Favelivro distribuiu o kit “Vacina Literária”, com livros infantis, sabonetes, frasco de álcool em gel e máscaras de proteção. Em março, a ação será retomada, junto com a contação de histórias.

Uma bela história a contar seria esta: a de quem acredita na cultura como artigo de primeira necessidade; a de quem entende bibliotecas como pontos de encontro, de descoberta, de reinvenção. Um lugar aonde vai quem quer mais que sobreviver, que faz quem quer ir além ter uma chance de chegar lá.

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