terça-feira, fevereiro 23

Geraldes, o futebolista que quer convencer os jovens a ler

Enquanto os companheiros de equipa se entretêm com videojogos, Francisco Geraldes prefere ler um livro. Desde as camadas jovens que o agora médio do Rio Ave, formado no Sporting, encontrou nos livros a melhor companhia para os tempos livros, destoando dos futebolistas com quem tem vindo a partilhar o balneário, nos dois clubes já referidos e também no Moreirense, nos gregos do AEK de Atenas e nas seleções nacionais jovens.

Agora, aos 25 anos, o Rio Ave desafiou-o a tornar-se embaixador de uma iniciativa promovida pelo clube de Vila do Conde que recebeu o apoio do Plano Nacional de Leitura: cativar os mais novos para as palavras escritas. Sem uma periodicidade rígida, mas que não fugirá muito a uma vez por mês, Geraldes vai protagonizar um pequeno vídeo com sugestões de leitura, “principalmente de livros simples e fáceis de ler”. A ideia é apresentar escolhas que possam seduzir o maior número de pessoas, porque “muita gente acha que ler é uma seca”.



Não é o caso deste jogador de futebol contracorrente, que não hesitou em dar corpo ao projeto “As Leituras do Francisco”, a nova rubrica que estará sempre disponível na página de internet do Rio Ave e nas plataformas de divulgação do Plano Nacional de Leitura. O primeiro episódio, filmado na Casa Museu José Régio, em Vila do Conde, já está “no ar”, e o principal destaque foi “O Principezinho”, famosa obra de Antoine de Saint-Exupéry. O próximo será “Ratos e Homens”, de John Steinbeck, e voltará a ser gravado, como todos os restantes, num espaço ligado às artes desta terra de pescadores.

O objetivo de “As Leituras do Francisco” passa por alimentar uma “consciência da importância da leitura”, bem expressa no tipo de relação que se estabelece com o livro e o seu autor. “Ainda que ele não saiba, é um momento em que estou só eu e ele e nada me é imposto”, reflete Geraldes. “Enquanto num filme as ideias e as imagens já estão criadas, com os livros sou eu que crio a minha visualização daquilo que está a acontecer. É um estímulo à criatividade. Quando fecho um livro, não sou a mesma pessoa que era quando o abri.”

Se as suas sugestões tiverem nos outros o efeito que teve nele “O Alquimista”, de Paulo Coelho, esse seria o epílogo perfeito. “Foi como que uma descoberta de um mundo novo e de coisas interiores que são difíceis de explicar mas que as levo para a vida”, enfatiza o futebolista, sobre a obra que lhe despertou o hábito de levar sempre um livro para os estágios de preparação dos jogos, ainda na adolescência. Quando se deslocava de transportes públicos em Lisboa, os livros acompanhavam-no também a caminho dos treinos. “Muita a gente ia a ouvir música, eu ia a ler.” Ficou célebre uma fotografia de Francisco Geraldes a ler de pé no metro de Lisboa, captada por um adepto após um Sporting-Boavista em Alvalade. Mais tarde, foi apanhado a ler “Ensaio Sobre a Cegueira”, de José Saramago, no banco de suplentes, horas antes de um jogo.

O Nobel da Literatura está entre os seus escritores preferidos, ao lado de George Orwell, Henry David Thoreau, Valter Hugo-Mãe ou Fernando Pessoa, sobretudo no pseudónimo de Álvaro de Campos. Mas neste momento é Clarice Lispector, com o seu “Perto do Coração Selvagem”, que lhe dá a volta à cabeça. A ponto de ameaçar “1984”, de Orwell, e “Ensaio Sobre a Cegueira”, de Saramago, no topo do seu ranking pessoal. “Quando o acabar, acho que vai ser o meu preferido”, suspeita quem já perdeu a conta aos livros que leu.

E qual o que mais gosta sobre futebol? “Que me lembre não li nenhum”, responde, desarmante. O mais perto que esteve do desporto foram os livros sobre duas lendas do boxe, Muhammad Ali e Rubin Carter, mas porque são histórias que envolvem discriminação racial, um tema que lhe “interessa muito”, embora nos tempos mais recentes esteja mais propenso à filosofia e à poesia. “Já fui mais de policiais, agora leio mais coisas que me ponham em introspeção, que me façam questionar mais principalmente o sentido da vida.”

Não admira que os companheiros de equipa o tenham habituado, ao longo dos anos, a brincadeiras relacionadas com esta paixão pelas palavras. “Agora, no Rio Ave, o Pelé está sempre a meter-se comigo”, exemplifica, divertido: “Diz que eu não leio, que ando com os livros só para fingir.” É hora de começar a ver “As Leituras do Francisco”, Pelé…

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