Edmund William Greacen |
Não sei se os anais da Segunda Guerra registram esse despacho em defesa do solo sagrado da cidade de Mozart. Poucos anos depois conheci Murilo e me tornei seu amigo para o resto da vida. Nos primeiros anos 40, ele morava na casa de duas senhoras russas, na rua Marquês de Abrantes, 64. Aos sábados à tarde, o poeta reunia lá uns amigos para conversar e ouvir música, sobretudo seu adorado Mozart. Era mais que um sarau. Era um culto religioso.
Ainda me lembro do cuidado com que o poeta pegava o disco, daqueles antigos, anterior ao "long-play", e o punha na vitrola. Além de sua obra já nacionalmente reconhecida, Murilo era um grande personagem. Uma figura legendária, com histórias que marcavam a linha de seu temperamento original. Por exemplo: em sinal de protesto contra uma execução musical medíocre, abriu o guarda-chuva no Theatro Municipal. Uma vez deitou-se na avenida Rio Branco para contemplar o céu. Lindíssimo!
Como o José Dias do Machado de Assis, o poeta adorava um superlativo. E não perdia ocasião de fazer uma piada. Mocinho, em Juiz de Fora, sua cidade, o poeta Carlos de Aguiar quis bancar o futurista e começou assim uma crônica: "O céu estava belíssimo de agosto". No dia seguinte, Murilo retrucou: "O Carlos estava burríssimo de Aguiar". Quando Pio XII veio ao Rio em 1934, ainda cardeal, Murilo abençoou-o na porta da Candelária.
Por quê? O cardeal-legado abençoava todo o mundo e o poeta achou que era preciso retribuir. Nesse ano de 1934, Murilo se converteu ao catolicismo, com a morte de seu grande amigo Ismael Nery. À obra do poeta, está incorporada uma biografia cheia de lances excêntricos. Ele não precisava jurar que tinha visto Mozart uma tarde no seu quarto de Botafogo. Descrevia esse encontro com todos os detalhes. Eu nunca duvidei. Mozart no céu deve estar hoje tristíssimo por não terem associado o seu nome ao do seu amigo Murilo Monteiro Mendes.
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