sexta-feira, outubro 22

Mar dos poetas

São de Eliot estes versos:

“O rio flui dentro de nós,
O mar cerca por todos os lados”


Com o poeta de Quatro Quartetos fico sabendo, na voz que vem no som das águas, que sou peixe e estou no mar que me cerca, talvez sem saída. Mar alto que é enigma, suas águas são desconhecidas, ficamos submersos em tristeza quando pensamos nelas.


Mar de histórias, divindades, beleza. Mar, misterioso mar. Em todas as épocas, poetas admiráveis procuraram beber em suas águas. Alguns deles tentaram fixar a imagem eloquente do ser humano no mar triste da vida. Da criatura humana em estado de crise. No mar de solidão e desespero.

Fernando Pessoa, o genial poeta português, exclamou no infinito sossego do azul do céu: “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!” No mar secreto da alma, sentiu o poeta a aventura de além-mar dos portugueses, auscultando a dor dos muitos que rezaram e em vão esperaram. Dos que não foram na aventura, choraram, de muitas noivas que deixaram de casar. Arfando no oceano ébrio de arrebol, o poeta de “Mensagem” teve a sensação nula de prazer e pensar, bêbada de alheia nele perdurou a “onda lúcida do mar”. Disse que abismo e perigo Deus ao mar deu, mas foi nas suas líquidas vastidões que espelhou o céu.

Para que a ventura lusitana no além-mar acontecesse, é possível que estivesse escrito nas estrelas. Com armas e brasões assinalados gente remota passou além da Taprobana, como nos conta o épico e sofrido Camões, pelas águas do mar, mais que prometia a força humana, Novo Reino entre gente remota foi edificado. Homens foram impelidos pelos vastos mares, em sua ousada aventura para que fosse descoberto o Caminho das Índias e, numa empresa de relevo para a história da humanidade, o amanhã, heroicamente, se tornasse português.

Em Castro Alves, o mar é cenário de horror nos navios de escravos trazidos das costas africanas. Ante o duro clamor de ais, gritos e maldições, perguntou o poeta do nosso romantismo se o que os seus olhos viam eram loucura, se era verdade tanto horror perante os céus. Ao poeta dos escravos, somente o mar, com as espumas de suas vagas poderosas, poderia fazer desaparecer tamanho horror perante Deus.

Na lírica romântica de Carlos Drummond de Andrade, o incomparável e enorme poeta de Itabira, o tempo como o mar passa? Não passa. E, da janela sobre as ondas em que o poeta se debruçara, o mundo, vasto mundo, cabe nelas. O mar é grande, mas cabe na cama e no colchão de amar. Grande como o amor, confessa o poeta mineiro, cabe no breve espaço de beijar.

Na arte afinada de Jorge Luís Borges, em que se unem a metafísica e a erudição, a sensibilidade e o enigma, , se o mar é um e muitos mares, acaso e vento, caverna e verdor, a imagem dada pelo bruxo de Buenos Aires é que “o mar, o sempre mar, já estava e era, antes que o tempo se cunhasse em dias”. Entende o criador de “O Aleph” que o momento de saber que é o mar, quem sou, vai estar “no dia ulterior que sucede à agonia”.

Li em Jorge de Lima que, a cada dia, o mar vai ficando mais amargo. Cemitério de líquidas esquadras, tumba de ruivos lobos pelos ares, está ficando cada vez mais na salsugem. Com as lágrimas de sangue derramado nas guerras, que a terra embebeu e correram para o oceano.

Nessa breve incursão pelo coração náutico dos poetas recorde-se ainda Pablo Neruda, que, tendo suavizado o peito de estrelas, por essa luz de sol quente, a subir das espumas, deixando molhadas as tristezas, pediu ao mar que dia a dia abrisse suas pálpebras. Rosa aberta, na velocidade da pureza, estendesse nossas vistas:

“E nos ensine a ver
Onda por onda o mar
E flor e flor a terra”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário