sexta-feira, outubro 8

O homem que laçou o sol

O verão no calor abrasador. Quando mais gostava de olhar para o sol. De rosto para o céu, firme. Olhos abertos, prazer indescritível. O tempo que quisesse, a multidão assustada com o fenômeno. O único que conseguia enxergar agulha no palheiro, alfinete no deserto, fios de ouro nos raios de sol.


Causava espanto. Vinha gente de longe assistir ao espetáculo. De quem herdara o fenômeno? Poder para dominar a luz esplêndida do astro rei? Ficavam, estupefatos, sem entender nada daquilo.

Uma vez pensou que seus poderes eram suficientes para prender o sol, fazer dele eterno servo, obscuro prisioneiro.

Teceu o laço com fios grossos, de anos incalculáveis, fortalecidos pela energia do próprio sol. Quando ficou pronto, anunciou que no domingo ia subir a serra. De lá, do ponto mais alto, ia disparar o laço que paciente fizera para prender o astro rei, retirando-o da sua morada no céu.

“Se preparem, vão ficar todos no escuro”, acrescentando, “o tempo todo vão ter que se acostumar a tatear as coisas, andar com cuidado.”

De expectante horror, castigo desmedido, a profecia tirava o sono, a vontade de comer.

Teriam de viver no escuro, sem nada enxergar, uns seres estranhos no luto perpétuo das trevas. Cada um deles ao mesmo tempo vivo e morto.

Do alto da serra disparou o laço na direção daquele lugar onde o astro rei surge no amanhecer, a flor gigantesca. Naquele ponto onde o céu faz uma curva.

Laçado o sol, tudo num instante mudou em luto sólido, como se o dia fosse a noite.

O sol fora aprisionado por ele numa cela escura. Satisfazia assim o desejo que mais crescia dentro dele, de uns meses para cá fervia na mente.

Do vento, em boa hora o sopro na manhã cristalina, uma luz desprendeu-se, a princípio hesitante, os raios tímidos. Até que ficou numa claridade translúcida, sem permitir que qualquer inseto circulasse no ambiente da cela. Resvalou no cubículo. Atravessou as paredes encardidas, saiu pelas frestas de porta e janela.

Apareceu lá fora na manhã radiante.

Tudo voltou ao normal. Iluminado como antes, seres e coisas na cor nítida.

Menos para ele, o homem que havia laçado o astro rei, querendo fazer dele prisioneiro permanente na cela sem um fiapo de luz.

Depois do evento sinistro, disseram que ficou com a visão sem enxergar mais nada, sequer o dedo diante do nariz. Fora morar num buraco sem fundo. Tinha como companhia figuras sombrias, a forma inconcebível, capuz preto cobria o rosto daqueles seres nunca vistos do lado de cá. Talvez tivesse aprendido com eles a se mover equilibrado, por entre as camadas da mais infernal escuridão.
Cyro de Mattos

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