Faço questão de esquecer as bússolas. Pretendo dedicar mais tempo a organizar as filas de formigas. Vou lotar uma condução de netos e dirigir mil quilômetros, até encontrar um pasto salpicado de vaga-lumes. Que eles guardem para sempre o que nunca esqueci.
Nos próximos 60, terei enfim aprendido a encaixar os pronomes. Ressuscitarei os coletes. Honrarei poças e pedras. Pretendo acordar com o estouro das ondas, mesmo no sono das montanhas. Que eu não empaque diante dos mata-burros. Bom seria ter a utilidade dos sapos e a discrição das minhocas, e embarcar num trem que privilegie os panoramas e vagarezas. E anunciar no megafone, com moderado estardalhaço, o recomeço do mundo.
Vou morar seis meses em Morungaba, seis em Paris, outros em São Paulo, daí em Santo Amaro do Coquinho, e, nos intervalos, irei a São José para não ser excomungado.
Nos próximos 60, gaiola não vai ter, mas umas cinco casas de passarinho de madeira com ninhos de crepom, onde deixarei sementes de mamão e microfones instalados para promover concursos de calouros. Vou andar pelas praças proseando comigo mesmo assuntos interessantíssimos. Haverá uma supersafra de manga-espada, concertos entre árvores, e Tom há de reencarnar num matuto em Goiás. Até 2047, prometo, escreverei algo que preste.
O único plano é cuidar de Beatriz a cada segundo de cada minuto de cada hora de cada dia, pelos próximos 60 anos.
Ao contrário de hoje, meus equívocos serão exibidos feito medalhas. As chamas na lareira trarão silêncio e ótimas ideias. O piano terá orgulho de mim. O remédio terá orgulho de mim. Nos próximos 60, vou me apaixonar de um jeito diferente, sem expectativas ou decepções, nem que seja por um gato francamente ingrato. Darei muitas entrevistas explicando como cheguei a tantos anos sem mérito algum.
Aprenderei a fazer ovos nevados, a bater escanteios decentes e não mais deixar essa barba tosca de semanas. Quem sabe, abra pela primeira vez na vida a caixa de ferramentas e seja apresentado aos alicates. Faço questão de continuar sofrendo por futebol, pelas ressacas e a insistência das injustiças. Juro solenemente não perder mais nenhum amigo.
Sessenta anos de mais Drummonds, de mais Brahms, Cèzannes, Rosas, Bonnards, Tatis, Chicos, Onettis, Ettores, Porters, Manuéis, Wislawas, Carvers, Bragas, pão, vinho e sestas nos dias chuvosos, não vejo a hora.
Daqui a alguns anos, enfim, vão encontrar (e me trazer num embrulhinho) a estrela da manhã. O homem é muito inteligente, haverá de criar modelos de balões que cruzem o céu, iluminando as noites de junho com um sistema que apague a mecha a exatos 38 metros do chão. E ainda será descoberta uma pílula lá que, produzida aos trilhões e jogada de aviões e satélites, acabará de vez com as dores do mundo. Como posso ficar pelo caminho e não testemunhar?
Quinze para meia-noite, logo virá o primeiro dia.
O próximo passo será descalço.
Cássio Zanatta
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