Não seria propriamente um conto, ficaria dias e mais dias rondando a sua cabeça, você não escrevia uma única frase, uma palavra que fosse, pois ela o comprometeria com um seguimento, um desfecho, e o que você queria era uma prosa solta, que não precisasse ser escrita e concluída; que fosse um pensamento
livre em movimento, levando-o a paragens infinitas e movediças, algo que nunca chegava a fixar-se, apesar de alguma ordem. Mas se poderia argumentar: se não se escreve não é um conto, mas para você é, existe um protagonista, um ser que habita um corpo e agora se põe em situação, está sentado em um banco individual de lotação, você o pegou na rua São Francisco Xavier, nas cercanias de Vila Isabel, depois de ter saído do Maracanã, digamos que de um jogo entre Vasco e América, você ia a qualquer jogo, sozinho ou com o seu irmão, o pai os deixava livres, era uma outra época, sem muita violência, da cidade; você estava com doze anos, até quase a metade deste ano de 1954 morara com a família em Londres, onde o pai fizera um curso de pós-graduação em ciências econômicas e o pai também não os impedia de saírem sozinhos pela cidade estrangeira, que vocês dominavam melhor do que os adultos. Matando aula, vocês percorriam todas as estações do metrô, bastava pagar com moedas na máquina os bilhetes para a estação mais próxima — os preços eram diferenciados — e torcer para não aparecer nenhum fiscal que poderia levá-los para o colégio ou para casa, vai ver até passando pela delegacia, a rigidez inglesa que criminalizava até meninos, discutia-se isso na tv. E, com o bilhete mínimo, vocês iam aonde quisessem, desde que não tentassem sair numa estação fora do perímetro do bilhete.
Um dia, no colégio, na hora em que todas as turmas se reuniam num salão, antes do almoço, vocês assistiram, estarrecidos, ao headmaster chamar um menino — um dos menores — à sua presença e, depois de dizer qualquer coisa ao garoto, referente a uma falta disciplinar, mandou que ele estendesse a mão, uma de cada vez, e levantando o headmaster a própria mão, segurando uma sola de borracha, aplicou a palmatória, com violência, três vezes em cada mão do menino, que abriu a boca de tanto chorar. Você e seu irmão ficaram chocados e revoltados. No Brasil isso seria inconcebível. Se você conta isso neste momento do texto, é porque talvez tenha tido uma grande influência no gazetear de aulas.
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