Nasci numa pequena cidade de Minas. Até aí nada demais. Muita gente nasce em
cidades pequenas, distantes e quietas. Seria feliz, de qualquer maneira, se
quem lê neste instante pudesse saber a alegria que existe em se nascer num
lugar assim, em que as ruas pequenas e estreitas, as altas palmeiras, a água
macia da chuva que cai sempre, as muitas estrelas e a lua, as pedrinhas das
calçadas, a meninada, a carteira da sala de aula, a mestra e mais uma
quantidade destas lembranças simples sejam, mais tarde, influências reais na
vida da gente. Na vida de quem, afinal, preferiu enfrentar a cidade grande: as
águas desse mar, a luz dessas lâmpadas frias, a sala fechada, triste e sem
perspectivas em que se ganha a vida, a cadeira quente e insegura das tardes de
ir e vir — pura fadiga — das empresas, a luta, a dura luta de ser alguém, um
peixe grande em mar estranhamente grande. A verdade é que, um dia, a pensar e
refletir na grama macia da pracinha da matriz, a criança decidiu sair.
E a estrada se abriu a sua frente. Vir era uma ideia. Fixa. Caminhar era fácil.
A chegada: a rua imensa, as buzinas, as luzes, sinal verde, aquela cidade grande, grande ali, na sua frente. Cada face, cada ser que passava — pra lá e pra cá — inquietamente, tanta gente, suada, apressada, sem alegria, sem alma, a alma cerrada, enrustida, cada triste surpresa era a chegada.
Cheguei. Um táxi. A mala. As esquinas. Está bem, mas, que fazer? Sentei e pensei. Pela janela da casa alta vai a vida. Seria a vida? E disse a primeira frase na cidade grande, as primeiras palavras diante da grande luta e as palavras eram: Meu Deus, que saudade! E nem um dia me separava da pracinha da matriz. Cada dia que, a seguir, vi passar, esqueci.
Diante da máquina, neste instante, há uma distância imensa entre aquele dia na missa cantada na minha igrejinha e este dia em que, diante de mim, diante de minha mulher e da minha casa feita de cidade grande, minhas filhas brincam de ser gente grande.
E elas. Que vai ser delas? Sem palmeiras, sem um pai de ar grave; sem entender a chuva a cair em jardins humildes, nas margaridas branquinhas; sem entender de lua e de estrelas — que céu aqui, pra se ver nem se vê —, sem brincar na lama das ruas, a lama das chuvas, casca de palmeira, descer as barracas, nadar sem mamãe saber, nas águas escuras, fim de quintal, quintal, quintal? sem quintal? pedrinha de calçada, marcar a canivete sua inicial na carteira da sala. Ainda bem que nasceram meninas.
Já é diferente. Será que é? Sei lá. Entre a chegada e este instante, lembrança nenhuma. Sei que cheguei.
E sei mais: que esta página está é uma grande besteira, dura de cintura, sem graça, uma m... Já se vê que quem nasceu para caratinguense nunca chega a Rubem Braga. E também tem mais: Quem é capaz de escrever uma página literária decente — igual a essa (?) — sem usar uma vez sequer a letra O? Leiam mais uma vez. Atentamente. Se tiver um — além deste aí em cima — eu como!
Ziraldo Alves Pinto
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