Dormindo com os livros, ilustração de David de Ramón |
"Não sei como se chamaria o
medo de não ter o que ler. Existem as conhecidas claustrofobia (medo de lugares
fechados), agorafobia (medo de espaços abertos), acrofobia (medo de altura) e
as menos conhecidas ailurofobia (medo de gatos), iatrofobia (medo de médicos) e
até a treiskaidekafobia (medo do número 13), mas o pânico de estar, por
exemplo, num quarto de hotel, com insônia, sem nada para ler não sei que nome
tem. É uma das minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a gutembergomania,
uma dependência patológica na palavra impressa. Na falta dela, qualquer palavra
serve. Já saí de cama de hotel no meio da noite e entrei no banheiro para ver se
as torneiras tinham “Frio” e “Quente” escritos por extenso, para saciar minha
sede de letras. Já ajeitei o travesseiro, ajustei a luz e abri uma lista
telefônica, tentando me convencer que, pelo menos no número de personagens,
seria um razoável substituto para um romance russo. Já revirei cobertores e
lençóis, à procura de uma etiqueta, qualquer coisa.
Alguns hotéis brasileiros imitam os
americanos e deixam uma Bíblia no quarto, e ela tem sido a minha salvação,
embora não no modo pretendido. Nada como um best-seller numa hora dessas. A
Bíblia tem tudo para acompanhar uma insônia: enredo fantástico, grandes
personagens, romance, sexo em todas as suas formas, ação, paixão, violência, –
e uma mensagem positiva. Recomendo “Gênesis” pelo ímpeto narrativo, “O cântico
dos cânticos” pela poesia e “Isaías” e “João” pela força dramática, mesmo que
seja difícil dormir depois do Apocalipse.
Mas e quando não tem nem a Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de madrugada e pedi uma Amiga.
– Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina…
– Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga, Capricho, Vida Rotariana, qualquer coisa.
– Infelizmente, não tenho nenhuma revista.
– Não é possível! O que você faz durante a noite?
– Tricô.
Uma esperança!
– Com manual?
– Não.
Danação.
– Você não tem nada para ler? Na bolsa, sei lá.
– Bem… Tem uma carta da mamãe.
– Manda!"
Mas e quando não tem nem a Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de madrugada e pedi uma Amiga.
– Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina…
– Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga, Capricho, Vida Rotariana, qualquer coisa.
– Infelizmente, não tenho nenhuma revista.
– Não é possível! O que você faz durante a noite?
– Tricô.
Uma esperança!
– Com manual?
– Não.
Danação.
– Você não tem nada para ler? Na bolsa, sei lá.
– Bem… Tem uma carta da mamãe.
– Manda!"
(Luis Fernando Verissimo, Banquete com os deuses: cinema, literatura, música e
outras artes)
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