Alguns meses atrás eu entrei em um sebo que eu ainda não conhecia, bastante organizado, mas com pouquíssimo espaço, algo que sempre me motiva a praticar meu talento inexplorado de arqueólogo. Como eu era o único no lugar, depois de me observar curioso por uns trinta minutos, enquanto subia em caixotes improvisados e vasculhava pilhas empoeiradas de livros, fui chamado pelo dono do local. O senhor devia ter por volta de sessenta anos, muito educado e de fala mansa. Ele olhou com atenção os títulos que eu já havia selecionado. Quase todos custavam Um Real, um valor altamente convidativo. Era época de Natal, então expliquei que gosto de presentear os amigos com livros e filmes. Ele sorriu debochado e questionou se eles não ficariam chateados ao serem presenteados com livros usados.
Achei tão interessante aquele questionamento vindo de alguém que deveria compreender a riqueza inerente àqueles tomos, a carga de fascinante mistério que reside, por exemplo, numa dedicatória romântica a alguém que desconhecemos. Passei então uns bons cinco minutos explicando pra ele a real dimensão daquelas páginas amareladas, o universo que vai além da apreciação da obra, impossível de atribuir um valor monetário. O homem sorriu e disse melancolicamente que estava cogitando há semanas desistir daquele empreendimento, pois passava por problemas de saúde na família e o lugar simplesmente não estava dando lucro. Ele decidiu colocar a maioria dos livros a Um Real, incluindo os grandes escritores e clássicos, mas mesmo assim não estava tendo saída.
Contei para ele sobre minha área de atuação e disse que eu vivenciava diariamente essa realidade de desinteresse cultural. Você posta na rede social o link de algum vídeo sensacionalista bizarro, por mais longo que ele seja, será assistido por muitos, mas postar o link de um texto de três parágrafos sobre cultura, independente da vertente abordada, terá alguns poucos e fiéis interessados, aqueles que eu costumo chamar de guerreiros da resistência à mediocridade. O senhor perguntou se eu não ficava desanimado com essa situação. Olhei fundo em seus olhos, deixei o instinto formular a frase seguinte: "O senhor, sabendo que ninguém entrará aqui num dia inteiro, quando volta pra casa, dorme tranquilo?". Ele ficou levemente emocionado, percebi que seus olhos ficaram molhados, o que já era a resposta que eu sabia que encontraria.
Eu precisava voltar pra casa, tinha um compromisso ainda naquela tarde, mas enquanto pagava os livros, aproveitei para, em tom descontraído, contar sobre a importância que os sebos tiveram em minha pré-adolescência. Ele ficou feliz ao saber que eu tinha lançado um livro, que estávamos lutando a mesma guerra, em frentes diferentes. Gastei ao total a absurda soma de Vinte Reais, o que não paga nem 1/3 do que um jovem consome de álcool, em média, numa balada. Questão de prioridade. Prometi ao senhor que iria voltar em breve, para presentear ele com o livro, já que o mesmo me confidenciou, quando eu estava pronto para sair do sebo, que ele havia mudado de ideia e não iria mais desistir do empreendimento. O livro foi entregue, o senhor, num gesto de extrema gentileza, retribuiu me dando a opção de escolher cinco livros da loja. Eu fiz questão de pagar os cinco.
Entrem nos sebos, valorizem esses nobres propagadores de cultura, eles possuem incríveis histórias pra contar. Suje as pontas dos dedos com a poeira dos livros.
Octavio Caruso
Achei tão interessante aquele questionamento vindo de alguém que deveria compreender a riqueza inerente àqueles tomos, a carga de fascinante mistério que reside, por exemplo, numa dedicatória romântica a alguém que desconhecemos. Passei então uns bons cinco minutos explicando pra ele a real dimensão daquelas páginas amareladas, o universo que vai além da apreciação da obra, impossível de atribuir um valor monetário. O homem sorriu e disse melancolicamente que estava cogitando há semanas desistir daquele empreendimento, pois passava por problemas de saúde na família e o lugar simplesmente não estava dando lucro. Ele decidiu colocar a maioria dos livros a Um Real, incluindo os grandes escritores e clássicos, mas mesmo assim não estava tendo saída.
Contei para ele sobre minha área de atuação e disse que eu vivenciava diariamente essa realidade de desinteresse cultural. Você posta na rede social o link de algum vídeo sensacionalista bizarro, por mais longo que ele seja, será assistido por muitos, mas postar o link de um texto de três parágrafos sobre cultura, independente da vertente abordada, terá alguns poucos e fiéis interessados, aqueles que eu costumo chamar de guerreiros da resistência à mediocridade. O senhor perguntou se eu não ficava desanimado com essa situação. Olhei fundo em seus olhos, deixei o instinto formular a frase seguinte: "O senhor, sabendo que ninguém entrará aqui num dia inteiro, quando volta pra casa, dorme tranquilo?". Ele ficou levemente emocionado, percebi que seus olhos ficaram molhados, o que já era a resposta que eu sabia que encontraria.
Eu precisava voltar pra casa, tinha um compromisso ainda naquela tarde, mas enquanto pagava os livros, aproveitei para, em tom descontraído, contar sobre a importância que os sebos tiveram em minha pré-adolescência. Ele ficou feliz ao saber que eu tinha lançado um livro, que estávamos lutando a mesma guerra, em frentes diferentes. Gastei ao total a absurda soma de Vinte Reais, o que não paga nem 1/3 do que um jovem consome de álcool, em média, numa balada. Questão de prioridade. Prometi ao senhor que iria voltar em breve, para presentear ele com o livro, já que o mesmo me confidenciou, quando eu estava pronto para sair do sebo, que ele havia mudado de ideia e não iria mais desistir do empreendimento. O livro foi entregue, o senhor, num gesto de extrema gentileza, retribuiu me dando a opção de escolher cinco livros da loja. Eu fiz questão de pagar os cinco.
Entrem nos sebos, valorizem esses nobres propagadores de cultura, eles possuem incríveis histórias pra contar. Suje as pontas dos dedos com a poeira dos livros.
Octavio Caruso
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