O personagem mais inesquecível que já conheci
Ela estava tão profundamente entranhada em minha consciência que, no primeiro ano na escola, eu tinha a impressão de que todas as professoras eram minha mãe disfarçada. Assim que tocava o sinal ao fim das aulas, eu voltava correndo para casa, na esperança de chegar ao apartamento em que morávamos antes que ela tivesse tempo de se transformar. Invariavelmente ela já estava na cozinha quando eu chegava, preparando leite com biscoitos para mim. No entanto, em vez de me livrar dessas ilusões, essa proeza só fazia crescer minha admiração pelos poderes dela. Além do mais, era sempre um alívio não surpreendê-la entre uma e outra transformação — muito embora eu jamais deixasse de tentar; eu sabia que meu pai e minha irmã nem faziam ideia da natureza real de minha mãe, e o peso da traição que, imaginava eu, recairia sobre meus ombros se alguma vez a pegasse desprevenida seria demais para mim, aos cinco anos de idade. Creio que eu chegava a temer a possibilidade de ser eliminado caso a flagrasse ao entrar voando pela janela do quarto, vindo da escola, ou então surgindo pouco a pouco, um membro de cada vez, emergindo do estado de invisibilidade, com avental e tudo.
Claro que, quando ela pedia que lhe contasse como tinha sido meu dia no jardim de infância, eu obedecia sem hesitação. Não tinha a menor pretensão de compreender todas as implica- ções de seu dom de ubiquidade, mas que ele servia para descobrir que espécie de menino eu era em sua ausência — disso não havia dúvida. Uma consequência dessa fantasia, que sobreviveu 10 (dessa forma específica) até a primeira série, foi que, julgando não ter alternativa, me tornei um menino honesto. Ah, e brilhante, aliás.
Philip Roth
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