Os governos mais sábios deveriam contratar os poetas para o trabalho de restituir a virgindade a certas palavras ou expressões, que estão morrendo cariadas, corroídas pelo uso em clichés. Só os poetas podem salvar o idioma da esclerose. Além disso a poesia tem a função de pregar a prática da infância entre os homens.
Se for para tirar gosto poético vai bem perverter a linguagem. Não bastam as licenças poéticas, é preciso ir até às licenciosidades. Temos de molecar o idioma para que ele não morra de clichés. Subverter a sintaxe até à castidade: isto quer dizer: até obter um texto casto. Um texto virgem que o tempo e o homem ainda não tenham espolegado.
O nosso paladar de ler anda com tédio. É preciso propor novos enlaces para as palavras. Injectar insanidade nos verbos para que transmitam aos nomes seus delírios. Há que se encontrar a primeira vez de uma frase para ser-se poeta nela. Mas isso é tão antigo como menino mijar na parede. Só que foi dito de outra maneira.
Se você prende uma água, ela escapará pelas frinchas. Se você tirar de um ser a liberdade, ele escapará por metáforas. No internato, longe de casa, eu não sabia o que fazer e fiz um aparelho de ser inútil. E comecei a brincar com ele. Um padre disse: - Não presta para nada; há-de ser poeta!
Manoel de Barros
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