Julianna Swaney |
A pesquisa, que questiona a “oficial”, foi divulgada em primeira mão na Festa Literária do Alto do Moura (Flal). O Alto é uma comunidade a sete quilômetros do centro de Caruaru, Pernambuco. Não é uma feira de livros e nem comporta debate com estrelas do mercado editorial. Está na terceira edição, é realizada em pequenas tendas, no meio da rua e gratuitamente. Reúne o pessoal “descolado” da literatura, estudantes, professores, a diversidade em peso, e por isso mesmo é alternativa, original e cheia de novidades.
Organizado pelo Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Releitura (pessoal das bibliotecas comunitárias) o objetivo da Flal é debater literatura com quem escreve e com quem lê; e incentivar a leitura. Para isso, envolve a comunidade com oficinas, debates e intervenções artísticas. A literatura dialoga, durante o evento, com o cinema, teatro, palhaçaria, fotografia, contação de histórias, musica etc.
Num dos debates, a pesquisadora Carmem Lúcia Bandeira, do Releitura, apresentou o levantamento que acaba de virar livro: “O Brasil que lê – Bibliotecas comunitárias na formação de leitores”. Surpreendente: o Brasil que lê fica invisibilizado pela mídia e pela sociedade de consumo. Essa pesquisa foi realizada em 140 bibliotecas comunitárias de 11 estados, sob a coordenação de Cida Fernando, Elisa Machado e Ester Rosa.
Aquelas pesquisas que dizem que o brasileiro lê pouco, segundo Carminha, têm como fonte as livrarias. A grande parte do povo brasileiro não tem condições de comprar livros novos e caros e a metodologia induz a informar que essas pessoas não leem. “As pesquisas oficiais são baseadas na venda de livros e atende à lógica privatista e individualista das livrarias”. As pesquisas, feitas nesse universo, misturam alho com bugalho. Venda com hábito de leituras.
Elas nunca consideram a realidade das bibliotecas. “Essas pesquisas não entendem que o universo das bibliotecas existe. É como se as bibliotecas, sobretudo as comunitárias, fizessem parte de um universo oculto”. Nelas, o sistema de empréstimo é intenso, segundo o Releitura. São livros que, na maioria das vezes, vêm de doações e viram um bem comum e coletivo. A leitura circula através do empréstimo e da circulação dos acervos.
A pesquisa do Releitura, na minha opinião, é importante em diversos aspectos. Ela dá um passo à frente da velha discussão que fica travada na identificação de causa e efeito sobre hábitos de leitura. Ao reconhecer que há um Brasil que lê, põe o dedo na ferida, porque leva a um questionamento: se há um povo que curte leitura, por que não apoiar as instituições que acreditam que as transformações sociais são possíveis através das leituras? E os políticos, as chamadas autoridades constituídas, por que não se comprometem política e academicamente com projetos de formação de leitores, colaborando assim para uma cidadania plena?
Todos sabem que a o exercício da leitura, assim como o da escrita, pode garantir a participação consciente da população nos destinos da sociedade. Aí está o X da questão. Por isso, apenas acreditar e lamentar que o Brasil não lê, como dizem as pesquisas oficiais, é cômodo.
Cícero Belmar
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