Invadido por este sentimento, Shimamura estremeceu, sentindo a necessidade de voltar às coisas do mundo positivo. Dirigiu-se a uma massagista cega que encontrou no alto da ladeira, para lhe perguntar se ela podia dar-lhe massagens.
― Vejamos que horas são ― disse a mulher enquanto fazia deslizar a bengala por baixo do braço, para tirar do obi o relógio de bolso que ela abriu, tacteando o quadrante com os dedos da mão esquerda.
― São duas e trinta e cinco. Tenho uma marcação para as três e meia. É um pouco para lá da estação, mas se eu chegar um pouco mais tarde, julgo que não terá importância.
― É realmente espantoso como pode ler as horas ― elogiou Shimamura.
― O relógio não tem vidro, basta-me tocar nos ponteiros.
― E os números?
― Também não são necessários ― disse ela, tirando novamente o relógio e abrindo a caixa.
Era um relógio de prata, um pouco maior que um relógio de mulher. E com os três dedos colocados como pontos de referência sobre o doze, o seis e o três:
― Posso dizer-lhe a hora com toda a exatidão ― explicou ela -, e se me enganar nunca é mais de um minuto atrasado ou adiantado; de qualquer modo nunca mais de dois minutos.
― E a ladeira do caminho não é para si um pouco difícil? ― perguntou Shimamura, preocupado.
― Quando chove, a minha filha vai buscar-me à aldeia e traz-me para aqui; à noite, trabalho apenas na aldeia. Nunca venho cá acima.
E isto passou a ser motivo de chalaça para as criadas do hotel: dizem que é o meu marido que não quer deixar-me sair.
― Já tem filhos crescidos?
― A minha filha mais velha tem doze anos.
E, assim falando, chegaram ao quarto de Shimamura, e a conversa acabou quando a cega começou a massajá-lo. No silêncio, ouviu-se a música longínqua dum samisen.
― Deixe-me ver se descubro quem está a tocar! ― disse a cega, escutando com atenção.
― Consegue reconhecer sempre a gueixa que está a tocar?
Às vezes sim; outras, não. O seu corpo é o de uma pessoa que não está habituada a trabalhar. Não sente agora os músculos flexíveis e descontraídos?
― Não haverá nenhuma contração em qualquer parte?
― Sim, uma pequena crispação na base da nuca. Mas o senhor está perfeitamente em forma, nem muito gordo nem muito magro. Não bebe, pois não?
― Porquê? Também consegue descobrir isso?
― Tenho três fregueses habituais que têm exatamente o seu tônus fisiológico.
― Ora! É uma qualidade que não tem nada de excepcional.
― Talvez. Mas, se não bebe, priva-se de uma grande satisfação: é um enorme prazer a gente poder esquecer tudo!
― E o seu marido, bebe?
― Mais do que o necessário.
― Voltando à nossa tocadora de samisen, seja ela quem for, é uma executante lamentável.
― Sim, é bastante má.
― Você também sabe tocar?
― Toquei quando era nova, desde os oito até aos dezanove anos. Mas há quinze anos que sou casada, e nunca mais toquei.
Ao ouvi-la dizer a idade que tinha, Shimamura pensou para consigo se os cegos não pareciam sempre mais novos do que eram na verdade.
Mas continuou a falar:
― Quem aprendeu a tocar muito cedo, nunca mais se esquece.
― Com a profissão que exerço, já não tenho as mãos que tinha; mas sempre tive bom ouvido e custa-me ouvi-las tocar. Mas penso também que a maneira como tocava quando era jovem já não me satisfaria.
Por momentos ficou à escuta.
― Deve ser Fumi, pertence à Izutsuya. Reconhecemos mais facilmente as que tocam muito bem e as que tocam muito mal.
― Conhece algumas que toquem verdadeiramente bem?
― Komako é excelente. Jovem, sem dúvida, mas em pouco tempo aperfeiçoou-se muito.
― Komako?
― Estou a ver que a conhece! Sim, acho-a esplêndida. Mas também não deve esquecer que nós, aqui na montanha, não somos muito exigentes.
― Conhecemo-nos tão pouco e já estamos a falar como se assim não fosse ― afirmou Shimamura. ― Ontem viajei também com o filho da professora de Música.
― Está melhor?
― Acho que não.
― Coitado, há tanto tempo que estava doente em Tóquio. Diz-se que foi para poder pagar parte das despesas com os remédios que, no Verão passado, Komako decidiu tornar-se gueixa profissional. Pergunto a mim própria se isso lhe teria servido para alguma coisa!...
― Como? Komako?
― Eram apenas noivos. Mas penso que nos devemos sentir mais tranquilos quando fazemos tudo o que podemos. Pelo menos nada temos a reprovar-nos depois.
― Komako estava noiva dele?
― É o que se diz, e nada mais posso adiantar. Mas é geralmente assim que essas coisas se sabem.
Haverá coisa mais banal do que ouvir a massagista dumas termas tagarelar sobre as gueixas da região? Mas foi precisamente por receber as notícias por um meio tão vulgar que elas surpreenderam Shimamura e lhe pareceram tanto mais extraordinárias quanto inverossímeis. Ora vejamos: Komako torna-se gueixa para acudir ao noivo. Que diabo! Parece tudo demasiado de acordo com o repertório usado no mais vulgar melodrama! Shimamura não estava disposto a acreditar nisso. E, mesmo encarando a coisa segundo a sua própria moral, sentia-se mais inclinado a rejeitá-la. Convinha-lhe muito mais que fosse a mulher a usar o seu direito de se vender como gueixa. Em suma, Shimamura estava muito interessado em tirar a limpo toda aquela história e em saber mais pormenores. Mas, entretanto, a massagista tinha acabado.
Yasunari Kawabata, "Terra de neve"
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