sexta-feira, junho 12

Terra de neve

Acelerou o passo. Não porque tivesse pernas nervosas; pelo contrário, tinha músculos bastante fortes. Mas sentia uma espécie de regozijo, um novo entusiasmo, sem que soubesse muito bem porquê, ao ver aquelas montanhas tão amadas. E, com essa disposição profundamente sonhadora, era-lhe fácil esquecer que o mundo dos humanos intervinha no jogo dos reflexos flutuantes e das imagens estranhas que o seduziam. Não, a janela da carruagem, da qual a noite tinha feito uma espécie de espelho, o verdadeiro espelho inundado de branco pela neve, nem um nem outro passavam de objetos feitos pela mão do homem: eram qualquer coisa que participava da própria natureza, por um lado, e de um mundo diferente e longínquo, pelo outro. Aliás, um universo excitante, a que pertencia também o quarto que acabava de abandonar.

Invadido por este sentimento, Shimamura estremeceu, sentindo a necessidade de voltar às coisas do mundo positivo. Dirigiu-se a uma massagista cega que encontrou no alto da ladeira, para lhe perguntar se ela podia dar-lhe massagens.

― Vejamos que horas são ― disse a mulher enquanto fazia deslizar a bengala por baixo do braço, para tirar do obi o relógio de bolso que ela abriu, tacteando o quadrante com os dedos da mão esquerda.

― São duas e trinta e cinco. Tenho uma marcação para as três e meia. É um pouco para lá da estação, mas se eu chegar um pouco mais tarde, julgo que não terá importância.

― É realmente espantoso como pode ler as horas ― elogiou Shimamura.

― O relógio não tem vidro, basta-me tocar nos ponteiros.

― E os números?

― Também não são necessários ― disse ela, tirando novamente o relógio e abrindo a caixa.

Era um relógio de prata, um pouco maior que um relógio de mulher. E com os três dedos colocados como pontos de referência sobre o doze, o seis e o três:

― Posso dizer-lhe a hora com toda a exatidão ― explicou ela -, e se me enganar nunca é mais de um minuto atrasado ou adiantado; de qualquer modo nunca mais de dois minutos.

― E a ladeira do caminho não é para si um pouco difícil? ― perguntou Shimamura, preocupado.

― Quando chove, a minha filha vai buscar-me à aldeia e traz-me para aqui; à noite, trabalho apenas na aldeia. Nunca venho cá acima.

E isto passou a ser motivo de chalaça para as criadas do hotel: dizem que é o meu marido que não quer deixar-me sair.

― Já tem filhos crescidos?

― A minha filha mais velha tem doze anos.

E, assim falando, chegaram ao quarto de Shimamura, e a conversa acabou quando a cega começou a massajá-lo. No silêncio, ouviu-se a música longínqua dum samisen.

― Deixe-me ver se descubro quem está a tocar! ― disse a cega, escutando com atenção.

― Consegue reconhecer sempre a gueixa que está a tocar?

Às vezes sim; outras, não. O seu corpo é o de uma pessoa que não está habituada a trabalhar. Não sente agora os músculos flexíveis e descontraídos?

― Não haverá nenhuma contração em qualquer parte?

― Sim, uma pequena crispação na base da nuca. Mas o senhor está perfeitamente em forma, nem muito gordo nem muito magro. Não bebe, pois não?

― Porquê? Também consegue descobrir isso?

― Tenho três fregueses habituais que têm exatamente o seu tônus fisiológico.

― Ora! É uma qualidade que não tem nada de excepcional.

― Talvez. Mas, se não bebe, priva-se de uma grande satisfação: é um enorme prazer a gente poder esquecer tudo!

― E o seu marido, bebe?

― Mais do que o necessário.

― Voltando à nossa tocadora de samisen, seja ela quem for, é uma executante lamentável.

― Sim, é bastante má.

― Você também sabe tocar?

― Toquei quando era nova, desde os oito até aos dezanove anos. Mas há quinze anos que sou casada, e nunca mais toquei.

Ao ouvi-la dizer a idade que tinha, Shimamura pensou para consigo se os cegos não pareciam sempre mais novos do que eram na verdade.

Mas continuou a falar:

― Quem aprendeu a tocar muito cedo, nunca mais se esquece.

― Com a profissão que exerço, já não tenho as mãos que tinha; mas sempre tive bom ouvido e custa-me ouvi-las tocar. Mas penso também que a maneira como tocava quando era jovem já não me satisfaria.

Por momentos ficou à escuta.

― Deve ser Fumi, pertence à Izutsuya. Reconhecemos mais facilmente as que tocam muito bem e as que tocam muito mal.

― Conhece algumas que toquem verdadeiramente bem?

― Komako é excelente. Jovem, sem dúvida, mas em pouco tempo aperfeiçoou-se muito.

― Komako?

― Estou a ver que a conhece! Sim, acho-a esplêndida. Mas também não deve esquecer que nós, aqui na montanha, não somos muito exigentes.

― Conhecemo-nos tão pouco e já estamos a falar como se assim não fosse ― afirmou Shimamura. ― Ontem viajei também com o filho da professora de Música.

― Está melhor?

― Acho que não.

― Coitado, há tanto tempo que estava doente em Tóquio. Diz-se que foi para poder pagar parte das despesas com os remédios que, no Verão passado, Komako decidiu tornar-se gueixa profissional. Pergunto a mim própria se isso lhe teria servido para alguma coisa!...

― Como? Komako?

― Eram apenas noivos. Mas penso que nos devemos sentir mais tranquilos quando fazemos tudo o que podemos. Pelo menos nada temos a reprovar-nos depois.

― Komako estava noiva dele?

― É o que se diz, e nada mais posso adiantar. Mas é geralmente assim que essas coisas se sabem.

Haverá coisa mais banal do que ouvir a massagista dumas termas tagarelar sobre as gueixas da região? Mas foi precisamente por receber as notícias por um meio tão vulgar que elas surpreenderam Shimamura e lhe pareceram tanto mais extraordinárias quanto inverossímeis. Ora vejamos: Komako torna-se gueixa para acudir ao noivo. Que diabo! Parece tudo demasiado de acordo com o repertório usado no mais vulgar melodrama! Shimamura não estava disposto a acreditar nisso. E, mesmo encarando a coisa segundo a sua própria moral, sentia-se mais inclinado a rejeitá-la. Convinha-lhe muito mais que fosse a mulher a usar o seu direito de se vender como gueixa. Em suma, Shimamura estava muito interessado em tirar a limpo toda aquela história e em saber mais pormenores. Mas, entretanto, a massagista tinha acabado.
Yasunari Kawabata, "Terra de neve"

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