Entre as surpresas com que o confinamento nos tem brindado, estão os talentos que muitos de nós estamos exibindo. É assim, por exemplo, que, depois de surgirem nos primeiros dias com os cabelos espavoridos e de raízes subitamente brancas, nossas belas comentaristas da televisão já voltaram à forma que as consagrou. Como as profissionais com que se cuidavam também estão em casa, tudo indica que as moças da TV desenvolveram habilidades que o dia a dia não lhes permitia explorar. Para nós, espectadores, o melhor foi descobrir que nossa admiração por elas não se alterou nos dias de descabelo.
Homens e mulheres que, até há pouco, não sabiam nem abrir uma lata ou ferver água estão se revelando mestres no preparo de saladas, omeletes, nhoques e brigadeiros. Os mais ousados começaram a se aventurar na complexidade dos suflês, moquecas e crêmes brulés, e estou sabendo de uns poucos que, nestes dois meses, já pensam em produzir o Ph.D das iguarias: uma bouillabaisse. Tanta sofisticação não elimina, claro, um problema que, agora, todos estamos tendo de encarar —lavar os pratos.
O maior avanço, no entanto, está na tecnologia. Pessoas notórias por sua aversão a ela e, de tão incapazes, sujeitas a quebrar o braço ao fazer ponta num lápis, estão aprendendo a gravar vídeos pelo celular, dar aulas online pelo Zoom e comunicar-se com os amigos pelo FaceTime. A pandemia nos transformou a todos em talking heads —ninguém mais tem pernas, e é assim que nos apresentamos agora uns para os outros.
Quanto a mim, estou evoluindo de forma galopante. Logo poderei disputar o campeonato carioca de descascar laranjas, regar as plantas e passar o aspirador na casa. Há um grande prazer em saber que se executou bem essas tarefas.
Mas, no confinamento, nada supera a certeza —e o alívio— de, a cada dia, constatar que não cometemos nenhuma imprudência 15 dias antes.Ruy Castro
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