Albert Reuss |
Os dias com zanga, as noites mal dormidas. Ela merecia isso? O tempo com as amargas, a vida solitária pelos desvãos do cotidiano?
Resolveu sair andando até achar a direção certa para se livrar do rancor, que havia se alojado no peito, fazendo dele morada permanente.
Estava na encruzilhada. Dobrar à esquerda, à direita ou seguir em frente. Qual a direção certa que devia tomar para se livrar do rancor estúpido?
Encontrou o velho no meio da estrada.
Ele veio andando apoiado no cajado.
Usava roupas pobres, a barba branca crescida.
Tinha nos olhos um brilho de estrela.
Esperava que ele mostrasse o que ela devia fazer, depois que lhe fizesse a pergunta: “Como posso me livrar desse rancor, da vida nesse horrível azedume?”
Ele já sabia que nada para ela prestava. Adiantou-se, fez-lhe primeiro uma pergunta.
– Se você tiver de escolher para ser entre uma águia e uma pantera qual das duas preferiria?
Ela percebeu que ele tinha a voz serena, a maneira de fluir fez bem ao ouvido.
Fora surpreendida com aquele tipo de pergunta, estranha.
– Não sei dizer, mas faça-se em mim a sua vontade, mestre.
Em razão da idade avançada dele, resolveu chamá-lo assim.
Não havia dúvida que com aqueles vincos no rosto, os cabelos sedosos ao vento, a pele enrugada, ele era o guardião da memória na aldeia. Sabia dos caminhos, conhecia o segredo das coisas. Se alguém pudesse existir neste mundo com a sabedoria dele, saberia dizer o que melhor devia fazer cada um para viver na vida sem qualquer espécie de rancor.
O mapa que apontava para a direção que ela devia seguir sem percalços somente ele sabia.
Notou que de repente um halo de luz apareceu acima de sua cabeça.
Ela estava ansiosa para saber o que ele responderia à própria pergunta que fizera a respeito dela.
O velho então disse com a voz calma.
– Quando eu dobrar aquela curva, você ficará sabendo.
Foi só desaparecer na curva, ela virou um beija-flor.
No corrupio, no frufru, fez-se ternura de Deus.
Plumagem alegre, de flor em flor.
Cyro de Mattos
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