segunda-feira, março 7

O tempo é nosso algoz

Um gato dormindo é uma das maneiras de a beleza sugerir que devemos reverenciá-la em silêncio ou com a voz que usaríamos para, num sonho, chamar um anjo.

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Não sou saudosista, mas admito que já gostei mais de mim.

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Na epígrafe de um soneto parnasiano, a exortação: per aspera ad astra; na embalagem dos poemas concretistas, uma recomendação: esta parte para cima.

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Se o poeta, estando onde estiver, não estiver procurando a beleza, há de ter uma boa justificativa para isso.

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Eu era um adolescente quando prometi dedicar a vida inteira à poesia. Pobre poesia. Podia ela imaginar que eu duraria tanto assim?

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A inveja, que até então era um sentimento menor, tornou-se um rato balofo desde o dia em que conheci Shakespeare.

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Hoje, folheando um álbum, o poeta se viu com dezessete anos. Nesse tempo ele sorria. Se fosse comparar as épocas, apontaria essa como a diferença principal: ele sorria. Com os olhos postos no rosto jovem e despudoradamente feliz, ele disse, amargo: idiota.

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Num domingo, se estivermos caminhando por um parque, podemos fingir que não ouvimos os passos da Morte. Podemos, até, julgá-los uma travessura armada pela brisa com as folhas secas.

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Definir um haicai talvez fosse uma tarefa que se pudesse confiar à brisa, se ela já não tivesse sob seu cuidado contar histórias às rosas.

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Sou um péssimo patrão, não tenho dúvida disso. Recuso-me compaixão quando estou a meu serviço.

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O tempo é o nosso algoz. Ontem morriam os outros, hoje os morituros somos nós.

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Sonhou que morria afogado. Acordou destruído: no último gole engoliu um peixinho azul.

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A crase é como aquele vilão que morre no final de todos os filmes e reaparece no início de todos os filmes seguintes, sempre mais perverso e abominável.

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Introduzir um gato numa história é às vezes a única forma de salvá-la.
Raul Drewnick

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