...Havia ruas inteiras dedicadas ao ópio... Os fumadores deitavam-se sobre baixas tarimbas... Eram os verdadeiros lugares religiosos da Índia... Não tinham nenhum luxo, nem tapeçarias, nem coxins de seda... Era tudo madeira por pintar, cachimbos de bambu e almofadas de louça chinesa... Pairava ali uma atmosfera de decência e austeridade que não existia nos templos... Os homens adormecidos não faziam movimento ou ruído... Fumei um cachimbo... Não era nada... Era um fumo caliginoso, morno e leitoso... Fumei quatro cachimbos e estive cinco dias doente, com náuseas que vinham da espinha dorsal, que me desciam do cérebro... E um ódio ao sol, à existência... O castigo do ópio... Mas aquilo não podia ser tudo... Tanto se dissera, tanto se escrevera, tanto se vasculhara nas maletas e nas malas, tentando apanhar nas alfândegas o veneno, o famoso veneno sagrado... Era preciso vencer a repugnância... Devia conhecer o ópio, provar o ópio, afim de dar o meu testemunho... Fumei muitos cachimbos, até que conheci... Não há sonhos, não há imagens, não há paroxismos... Há um enfraquecimento metódico, como se uma nota infinitamente suave se prolongasse na atmosfera... Um desvanecimento, um vácuo dentro de nós... Qualquer movimento do cotovelo, da nuca, qualquer som distante de carruagem, uma buzinadela ou um grito de rua, começam a fazer parte de um todo, de uma repousante delícia... Compreendi as razões por que os trabalhadores de plantação, os jornaleiros os "rickshamen" que puxam e continuam a puxar o "ricksha" dia após dia, ficavam ali de súbito, escurecidos, imóveis... O ópio não era o paraíso de seres exóticos que me tinham pintado, mas a evasão dos exploradores... Todos os clientes da casa do fumo eram pobres diabos... Não havia nenhum coxim bordado, nenhum indício da menor riqueza... Nada brilhava no recinto, nem sequer os semicerrados olhos dos fumadores... Descansavam, dormiam?.... Nunca o soube... Ninguém falava... Ninguém falava nunca... Não havia móveis, tapetes, nada... Sobre as tarimbas surradas, suavíssimas ao tacto humano, viam-se umas pequenas almofadas de madeira... Nada mais, além do silêncio e do aroma do ópio, estranhamente repulsivo e poderoso... Existia ali, sem dúvida, um caminho para o aniquilamento... O ópio dos magnates, dos colonizadores, destinava-se aos colonizados... As casas de fumo tinham à porta a autorização legal, com o número e o registo... No interior reinava um grande silêncio opaco, uma inação que abrandava a desdita e adoçava a fadiga... Um silêncio caliginoso, sedimento de muitos sonhos mutilados que encontravam o seu remanso... Aqueles que sonhavam, com os olhos semicerrados, viviam uma hora submersos pelo mar, uma noite inteira numa colina, gozando um repouso subtil e deleitoso...
Depois daquela vez, não voltei às casa de ópio... Já sabia... Já conhecia... Já havia alcançado algo de inapreensível... remotamente escondido por detrás do fumo...
Pablo Neruda, "Confesso que Vivi"
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