Um detalhe que muito contribui para minha simpatia: a mulher é uma portuguesa. Dá gosto ouvir seu sotaque quando ela indica a Augusta, a Rebouças ou a Santos Torres. Tenho certeza de que, se todos os motoristas desta cidade ouvissem sua voz graciosa, não haveria tanta encrenca e mal-entendidos pelas ruas.
O que eu não sabia era que se tratava de uma portuguesa sonhadora. Ontem, de madrugada, fui buscar Maria numa festa. Anteontem havia sido Pedro. Aquele momento na vida de um pai que ele descobre que, além de provedor, ombro, guia espiritual, guarda-costa e professor particular de Português, é também uma mistura de motorista e vigia noturno. Mas eu dizia da portuguesa do GPS. Estava eu a caminho, quando, entre um “siga 200 metros na estrada atual” e “na rotunda (rotatória), pegue a esquerda”, ela dá uma indicação surpreendente:
– Siga a estrada dos tijolos amarelos.
Posso ter ouvido mal, era tarde e eu estava cansado. Bebida é que não era, sou um sujeito responsável e não dirijo depois de beber – vejam, não que eu deixe de beber, é que nesse caso chamo um táxi ou recorro ao Uber. Talvez tivesse sido a lua cheia, que mulher não é suscetível a esses eventos?
Claro que eu reconheci a frase. Lá em casa, já assistimos umas 20 vezes ao Mágico de Oz. É um dos raros eventos que reúne toda a família em frente à TV (Copa do Mundo é outro). Como era lindo ver Maria no colo de minha mãe, as duas assistindo ao filme que tanto marcou as duas infâncias.
Então minha portuguesa queria que eu seguisse a estrada dos tijolos amarelos. Mas, minha filha, isso me levaria a Oz, não creio que à festa de Maria. Além disso, meu carro é pequeno, não acredito que coubessem eu, minha filha, Dorothy, o Leão, o Espantalho, o Homem de Lata e todos que fossem subindo pelo caminho. Podíamos ainda ser parados por uma blitz, e até explicar que não íamos a uma festa à fantasia, podíamos ser detidos por perturbar a ordem pública.
Como se ouvisse meus pensamentos, a mulher do GPS pigarreou e se emendou, mudando sua voz para um tom mais sério: “Vire à direita no segundo sinaleiro”. Obedeci, chegamos ao endereço, e assim pude trazer minha filha com tranquilidade para casa. Depois não dei mais importância ao ocorrido.
Mas agora, cada vez que eu ligo o GPS e volto a ouvir a portuguesa sonhadora, fico de ouvidos atentos. Quem sabe, em alguma madrugada ou numa viagem longa, em vez de seguir a orientação dos satélites, ela não resolva seguir as estrelas, como faziam os grandes navegadores portugueses. Ou recite Sophia de Mello Breyner, Camões, Pessoa, ou cante um fado de Amália Rodrigues. “De quem eu gosto, nem às paredes confesso”. Vai saber.
As mulheres, mesmo as eletrônicas, são imprevisíveis.
Cássio Zanatta
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