A imagem exatamente oposta a esses relatos de terras distantes é fornecida pelos diários de terras próximas. Trata-se aqui de pessoas muito próximas nas quais nos reconhecemos. O mais belo exemplo desse gênero na literatura alemã são os diários de Hebbel. Estes são amados porque neles não há quase nenhuma página em que não se encontre algo que nos toque pessoalmente. Podemos ter a impressão de já termos, nós mesmos, escrito isto ou aquilo em algum lugar. Talvez já o tenhamos feito realmente, e, se não o fizemos, é certo que poderíamos tê-lo feito. Esse processo do encontro íntimo é emocionante porque, bem ao lado daquilo que nos é “comum”, há também algo que jamais poderíamos ter pensado ou escrito da mesma forma. Trata-se, pois, do espetáculo teatral de dois espíritos que se interpenetram: em determinados pontos, eles se tocam; em outros, formam-se entre eles espaços vazios que não poderiam ser preenchidos de maneira alguma. O homogêneo e o heterogêneo encontram-se tão próximos que isso nos força a pensar; nada é mais profícuo que tais diários da proximidade, como poderiam ser chamados. É próprio deles, ainda, serem “completos” ou seja, profusos, e não escritos sob o jugo de um objetivo determinado.
Elias Canetti, "A consciência das palavras"
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