terça-feira, março 8

Chile Chico

Vinha eu de Puerto Ibáñez, assombrado pelo grande lago General Carrera, assombrado por essas águas metálicas, que são um paroxismo da natureza, somente comparáveis ao mar cor de turquesa de Varadero em Cuba ou a nosso Petrohué. E logo o selvagem salto do Rio Ibáñez, indivisível em sua aterradora grandeza. Vinha também transido pela incomunicabilidade e a pobreza da gente da região: vizinhas da energia colossal porém desprovida de luz elétrica, vivendo entre as inúmeras ovelhas lanosas mas vestida com roupa pobre e rota. Até que cheguei a Chile Chico.

Ali, fechando o dia, o grande crepúsculo me esperava. O vento perpétuo cortava as nuvens de quartzo. Rios de luz azul isolavam um grande bloco que o vento mantinha suspenso entre a terra e o céu.

Terras de rebanhos e sementeiras que lutavam sob a pressão polar do vento. Ao redor a terra se elevava com as torres duras da Roca Castillo, pontas cortantes, agulhas góticas e ameias naturais de granito. As montanhas dominadoras de Aysén, redondas como bolas, elevadas e lisas como mesas, mostravam retângulos e triângulos de neve.

E o céu trabalhava seu crepúsculo com véus e metais: cintilava o amarelo nas alturas, suspenso como um pássaro imenso pelo espaço puro. Tudo mudava inesperadamente, transformando-se em boca de baleia, em leopardo incendiado, em luminárias abstratas.

Senti que a imensidade tombava sobre minha cabeça, nomeando-me testemunha do Aysén deslumbrante com seus morros, suas cascatas, seus milhões de árvores mortas e queimadas que acusam seus antigos homicidas, com o silêncio de um mundo em nascimento em que está tudo preparado: as cerimônias do céu e da terra. Porém faltam o amparo, a ordem coletiva, a edificação, o homem. Os que vivem em tão grandes solidões necessitam de uma solidariedade tão ampla quanto suas grandes extensões.

Afastei-me quando se apagava o crepúsculo e a noite caía, surpreendente e azul.

Pablo Neruda, "Confesso que vivi"

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