Não é mistério para os entendidos que há uma linguagem das plantas, ou, para ser mais exato, que a cada planta corresponde uma linguagem. Como a variedade de plantas é infinita, faz-se impossível ao entendimento, por muito atilado que seja, captar todas as vozes de vegetais. E só os mais perspicazes entre os humanos conseguem entender a conversa entre duas plantas de espécies diferentes: cada uma usa o seu vocabulário, como por exemplo num diálogo em que A falasse em espanhol e B respondesse em alemão.
Levindo, jardineiro experiente, chegou a dominar as linguagens que se entrecruzavam no jardim. Um leigo diria que não se escutava nada, salvo o zumbir de moscas e besouros, mas ele chegava a distinguir o suspiro de uma violeta, e suas confidências ao amor-perfeito não eram segredo para os ouvidos daquele homem.
Até que um dia as plantas desconfiaram que estavam sendo espionadas e planejaram a conspiração de silêncio contra Levindo. Passaram a comunicar-se por meio de sinais altamente sigilosos, renovados a cada semana. Em vão o jardineiro se acocorava a noite inteira no jardim, na esperança de decifrar o código. Enlouqueceu.
Perdendo o emprego, as coisas não voltaram à normalidade. As plantas haviam esquecido o hábito de conversar direito. Já não se entendiam, brigavam de haste contra haste, muitas se aniquilaram em combate. O jardim foi invadido pelas cabras, que pastaram o restante da vegetação.
Carlos Drummond de Andrade, "Contos plausíveis"
Nenhum comentário:
Postar um comentário