Cada tentativa frustrada os impelia com maior obstinação. Subiam em prédios e torres, morros e montanhas, galgavam os pontos mais altos que podiam encontrar e, a partir deles, valiam-se dos equipamentos mais modernos e potentes para projetar cordas e escadas à Lua. Conta-se que a Babilônia, sua maior metrópole, encimava a região mais elevada do planeta, e que a mera proximidade com a Lua enobrecia seus habitantes, inspirando-lhes virtudes e talentos.Sempre em vão. Com o progresso constante de suas tecnologias, porém, mantinham o sentimento de que apenas alguns poucos entraves os separavam do triunfo.
Como o projeto lunar jamais abandonava suas mentes, foi apenas lógico que construíssem suas principais cidades nos pontos mais altos da Terra. Conta-se que a Babilônia, sua maior metrópole, encimava a região mais elevada do planeta, e que a mera proximidade com a Lua enobrecia seus habitantes, inspirando-lhes virtudes e talentos. Ali estudaram os maiores gênios e sábios entre os terráqueos. Não por acaso, foram estes intelectuais babilônicos que idealizaram a construção da afamada Torre Lunar — a empreitada lunar mais ousada até então.
O Rei Nabipolassar, último regente da Babilônia, nutria grande reverência pela instrução dos sábios. Por esta razão, revelou-se um dos maiores entusiastas do projeto da Torre Lunar, não poupando esforços para concretizá-lo. Foram quase vinte anos de intenso sacrifício, de trabalho árduo, de cansaço e fome; como consequência, muitos dos babilônios, em especial os menos esclarecidos, como os plebeus ou mesmo os pedreiros da Torre, não conseguiam enxergar para além de seus interesses imediatos, pelo que com frequência houve insatisfação, discordância, protestos e revoltas. Foram quase vinte anos de intenso sacrifício, de trabalho árduo, de cansaço e fome.Competiu ao Rei impor ordem e disciplina a seu povo, guiando-o para o progresso antecipado pelos eruditos. Assim, apesar de várias dissidências e tantos empecilhos, a construção foi finalizada.
Com a inauguração do novo ponto mais próximo à Lua, houve grande entusiasmo, e profissionais de alçagem de toda o planeta visitaram a Torre para lançar seus arpões. O próprio Rei Nabipolassar se fazia presente nas principais tentativas, com cobertura televisiva internacional. Com o passar das semanas, entretanto, ficou evidente que a altura da Torre Lunar ainda era insuficiente. Haviam falhado.
Mas, naturalmente, os terráqueos não se abateriam tão facilmente.
Rebatizada de Torre Lunar I, esta grande empreitada civilizacional foi apenas a primeira de uma série de projetos cada vez mais ousados. Para os terráqueos, o desejo de tocar a Lua era algo instintivo, intricado em sua própria natureza, e estava claro, desde a aurora dos tempos, que o destino manifesto da espécie era concretizar tal proeza. "O futuro é lunar", dizia-se. Mesmo no passado remoto da Terra, as religiões retratavam a Lua como a destinação gloriosa da alma dos virtuosos após sua morte. Outras crenças defendiam que os espíritos de todos os "É algo que ninguém quer ouvir, eu sei. Mas é impossível! E não só é impossível, mas sequer é desejável! Nossa natureza é incompatível com tais condições."terráqueos habitaram o plano lunar nos primeiros dias do universo e que, devido a seus pecados, haviam sido expulsos; a eles restaria, porém, a chance de retornar àquele paraíso no Juízo Final. As venturas do progresso, contudo, inspiraram os terráqueos a buscar resultados mais imediatos para seus anseios. Com os engenhos da ciência, não seria mais necessário depender da benevolência divina; o paraíso poderia — e deveria — ser alcançado em vida, e não pelas almas, mas pela civilização.
Sabe-se, entretanto, que nem todos os sábios apoiaram o grande projeto.
— É absolutamente impossível — dizia Nicopeu, o Velho — alcançar a Lua por meio de cordas, escadas e torres. É algo que ninguém quer ouvir, eu sei. Mas é impossível! E não só é impossível, mas sequer é desejável! No alto, não há ar. Morreríamos sufocados! De noite, não há calor. Congelaríamos! De dia, o toque dos raios do Sol nos queimaria como relâmpagos! Nossa natureza é incompatível com tais condições. E não fosse tudo isso... que há de se fazer na Lua? Observamos que nada existe lá em cima, senão pó! Nada nasce ou perdura em solo lunar. É um local sem vida. Com equipamentos, quem sabe... Quem sabe poderíamos até sobreviver por algumas horas, mesmo dias... mas é isso que queremos? Pesando todos os sacrifícios, valerá a pena?
Nunca antes um dos sábios havia se manifestado daquela forma. É verdade que muitos dos plebeus, com seu pouco entendimento, eram afeitos a ideias retrógradas, e a um medo cego do progresso; mas era incompreensível como tais ignorâncias poderiam brotar da boca de um estudioso da mais alta reputação.
Em resposta àquela declaração, houve grande alvoroço em toda a Terra. Nicopeu foi afastado de sua universidade, duramente criticado pelo Rei, e tornou-se, da noite para o dia, a pessoa mais odiada entre os terráqueos. E, no entanto, foi ovacionado pelas massas de revoltosos — os descontentes com o projeto lunar. Com o apoio que recebeu, e apesar dos ataques, o sábio fundou sua própria academia de estudos, e eruditos dissidentes de várias partes do mundo juntaram-se a ele. Foram conhecidos como os malditos de Nicopeu. Eram excluídos de todos os principais círculos da sociedade, considerados inimigos do progresso — gente ignorante, alienada e vil.
— Se não fosse a constante sabotagem de Nicopeu e seus fanáticos, já estaríamos na Lua agora — dizia-se. — Precisamos tomar providências.
Durante os anos seguintes, os mais talentosos sábios a serviço do Rei trabalharam para elaborar um novo paradigma de sociedade otimizado para o projeto lunar. Todos os recursos econômicos foram mobilizados. Toda a força produtiva foi alinhada. Novas torres, sempre mais altas, eram construídas. Os esforços foram dobrados, triplicados; as horas de trabalho iam aumentando, as de sono diminuindo. Centenas de operários morreram de exaustão, outros de fome; os que se recusavam a cooperar eram reeducados ou, nos piores casos, executados.
Pouco antes de seu misterioso assassinato, Nicopeu foi a público manifestar-se sobre a construção da Torre Lunar VI, apelidada com o nome de seu projetista, Babel:
— Estamos à beira do colapso. Outra Torre será a ruina de todos nós. Se é imperativo que se pise na Lua, então que seja. Mas é forçoso que o façamos de uma maneira que funcione. Torres, cordas e escadas jamais funcionarão! Por isso, desenvolvi uma tecnologia apropriada para esse tipo de tarefa: o foguete. Com menos de um centésimo do valor gasto na manutenção de uma das Torres, é possível levar um viajante à Lua. Os foguetes são veículos muito eficientes. Mesmo assim, apenas algumas poucas pessoas poderão pisar na Lua de cada vez. Para estar preparado para uma viagem dessas, e para saber utilizar os equipamentos, uma pessoa deverá dedicar anos, ou mesmo décadas, estudando e treinando. Deverá empenhar grande esforço, e demonstrar notável competência. Mesmo assim, reitero: ninguém pode viver na Lua. O viajante lunar poderá ficar lá apenas algumas horas, no máximo alguns dias. Essa é a única maneira.
Motivo de risada para uns, e de ultraje para outros, a fala de Nicopeu foi de todo rejeitada pelas autoridades e pelos intelectuais terráqueos. Ficou claro que o velho havia enlouquecido, e em meio às insânias que propunha, transparecia sua inveja pelas conquistas dos projetistas, bem como sua cobiça pelos investimentos bilionários nas Torres. Sua proposta parecia nada mais do que um ardil para embolsar o dinheiro suado dos plebeus, concedendo apenas aos privilegiados — ricos e meritocratas — o acesso ao solo lunar.
— Então é isso que o velho louco sugere — disse o Rei Nabipolassar, perplexo —: que sentemos em um gigantesco rojão aceso!
Aquela, certamente, não era a solução que os terráqueos procuravam. E após várias semanas de comemoração à misteriosa morte de Nicopeu, foram iniciados os trabalhos na Torre Lunar VI. Para reviver os ânimos do povo e reforçar a importância do projeto, o Rei preparou um discurso motivacional, com ajuda de sábios e escrivães:
— Tempos atrás, afirmava-se ser impossível construir um prédio de mais de seis andares. Séculos se passaram, e mais uma vez os engenheiros estavam convencidos de que uma torre jamais chegaria aos 500 metros. Hoje, já ultrapassamos a marca de um quilômetro! É óbvio que, para alcançar a Lua, a maneira segura é construir prédios mais altos, e ainda mais altos. O que é impossível hoje, amanhã não mais o será. Um dia, sem dúvida, chegaremos lá. Essa, aliás, é a grande beleza da utopia: mesmo que jamais chegássemos à Lua subindo em coisas altas, nós poderíamos ter certeza de que, se pelo menos continuássemos tentando, de novo e de novo, estaríamos a cada dia mais próximos do nosso ideal. Portanto, não desesperemos! A estrada é dura. Nosso caminho é pavimentado com suor e sangue. É assim mesmo. Uns sofrem mais, outros menos. Uns carregam tijolos, outros ideias. O que pesa mais? Não podemos esmorecer, nem ser presa do cinismo destrutivo dos sabotadores, que nos odeiam pelos nossos sonhos, e porque não temos medo de dar tudo para alcançá-los. Haverá fome, medo, desespero. Haverá doença, praga e crime. Mas quando a incerteza bater à porta, olhe para cima, olhe para o astro que nos guia: essa beleza a tudo justifica. E se tudo der certo, a Torre VI, esta nossa Torre de Babel, será a última que precisaremos levantar. Com ela, encontraremos nosso destino.
Sabe-se, entretanto, que nem todos os sábios apoiaram o grande projeto.
— É absolutamente impossível — dizia Nicopeu, o Velho — alcançar a Lua por meio de cordas, escadas e torres. É algo que ninguém quer ouvir, eu sei. Mas é impossível! E não só é impossível, mas sequer é desejável! No alto, não há ar. Morreríamos sufocados! De noite, não há calor. Congelaríamos! De dia, o toque dos raios do Sol nos queimaria como relâmpagos! Nossa natureza é incompatível com tais condições. E não fosse tudo isso... que há de se fazer na Lua? Observamos que nada existe lá em cima, senão pó! Nada nasce ou perdura em solo lunar. É um local sem vida. Com equipamentos, quem sabe... Quem sabe poderíamos até sobreviver por algumas horas, mesmo dias... mas é isso que queremos? Pesando todos os sacrifícios, valerá a pena?
Nunca antes um dos sábios havia se manifestado daquela forma. É verdade que muitos dos plebeus, com seu pouco entendimento, eram afeitos a ideias retrógradas, e a um medo cego do progresso; mas era incompreensível como tais ignorâncias poderiam brotar da boca de um estudioso da mais alta reputação.
Em resposta àquela declaração, houve grande alvoroço em toda a Terra. Nicopeu foi afastado de sua universidade, duramente criticado pelo Rei, e tornou-se, da noite para o dia, a pessoa mais odiada entre os terráqueos. E, no entanto, foi ovacionado pelas massas de revoltosos — os descontentes com o projeto lunar. Com o apoio que recebeu, e apesar dos ataques, o sábio fundou sua própria academia de estudos, e eruditos dissidentes de várias partes do mundo juntaram-se a ele. Foram conhecidos como os malditos de Nicopeu. Eram excluídos de todos os principais círculos da sociedade, considerados inimigos do progresso — gente ignorante, alienada e vil.
— Se não fosse a constante sabotagem de Nicopeu e seus fanáticos, já estaríamos na Lua agora — dizia-se. — Precisamos tomar providências.
Durante os anos seguintes, os mais talentosos sábios a serviço do Rei trabalharam para elaborar um novo paradigma de sociedade otimizado para o projeto lunar. Todos os recursos econômicos foram mobilizados. Toda a força produtiva foi alinhada. Novas torres, sempre mais altas, eram construídas. Os esforços foram dobrados, triplicados; as horas de trabalho iam aumentando, as de sono diminuindo. Centenas de operários morreram de exaustão, outros de fome; os que se recusavam a cooperar eram reeducados ou, nos piores casos, executados.
Pouco antes de seu misterioso assassinato, Nicopeu foi a público manifestar-se sobre a construção da Torre Lunar VI, apelidada com o nome de seu projetista, Babel:
— Estamos à beira do colapso. Outra Torre será a ruina de todos nós. Se é imperativo que se pise na Lua, então que seja. Mas é forçoso que o façamos de uma maneira que funcione. Torres, cordas e escadas jamais funcionarão! Por isso, desenvolvi uma tecnologia apropriada para esse tipo de tarefa: o foguete. Com menos de um centésimo do valor gasto na manutenção de uma das Torres, é possível levar um viajante à Lua. Os foguetes são veículos muito eficientes. Mesmo assim, apenas algumas poucas pessoas poderão pisar na Lua de cada vez. Para estar preparado para uma viagem dessas, e para saber utilizar os equipamentos, uma pessoa deverá dedicar anos, ou mesmo décadas, estudando e treinando. Deverá empenhar grande esforço, e demonstrar notável competência. Mesmo assim, reitero: ninguém pode viver na Lua. O viajante lunar poderá ficar lá apenas algumas horas, no máximo alguns dias. Essa é a única maneira.
Motivo de risada para uns, e de ultraje para outros, a fala de Nicopeu foi de todo rejeitada pelas autoridades e pelos intelectuais terráqueos. Ficou claro que o velho havia enlouquecido, e em meio às insânias que propunha, transparecia sua inveja pelas conquistas dos projetistas, bem como sua cobiça pelos investimentos bilionários nas Torres. Sua proposta parecia nada mais do que um ardil para embolsar o dinheiro suado dos plebeus, concedendo apenas aos privilegiados — ricos e meritocratas — o acesso ao solo lunar.
— Então é isso que o velho louco sugere — disse o Rei Nabipolassar, perplexo —: que sentemos em um gigantesco rojão aceso!
Aquela, certamente, não era a solução que os terráqueos procuravam. E após várias semanas de comemoração à misteriosa morte de Nicopeu, foram iniciados os trabalhos na Torre Lunar VI. Para reviver os ânimos do povo e reforçar a importância do projeto, o Rei preparou um discurso motivacional, com ajuda de sábios e escrivães:
— Tempos atrás, afirmava-se ser impossível construir um prédio de mais de seis andares. Séculos se passaram, e mais uma vez os engenheiros estavam convencidos de que uma torre jamais chegaria aos 500 metros. Hoje, já ultrapassamos a marca de um quilômetro! É óbvio que, para alcançar a Lua, a maneira segura é construir prédios mais altos, e ainda mais altos. O que é impossível hoje, amanhã não mais o será. Um dia, sem dúvida, chegaremos lá. Essa, aliás, é a grande beleza da utopia: mesmo que jamais chegássemos à Lua subindo em coisas altas, nós poderíamos ter certeza de que, se pelo menos continuássemos tentando, de novo e de novo, estaríamos a cada dia mais próximos do nosso ideal. Portanto, não desesperemos! A estrada é dura. Nosso caminho é pavimentado com suor e sangue. É assim mesmo. Uns sofrem mais, outros menos. Uns carregam tijolos, outros ideias. O que pesa mais? Não podemos esmorecer, nem ser presa do cinismo destrutivo dos sabotadores, que nos odeiam pelos nossos sonhos, e porque não temos medo de dar tudo para alcançá-los. Haverá fome, medo, desespero. Haverá doença, praga e crime. Mas quando a incerteza bater à porta, olhe para cima, olhe para o astro que nos guia: essa beleza a tudo justifica. E se tudo der certo, a Torre VI, esta nossa Torre de Babel, será a última que precisaremos levantar. Com ela, encontraremos nosso destino.
Eric Robin
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