XLVIII
Quando o amoroso aeronauta entrou no metrô, já lá estavam os três padres de boina preta, com ar campônio e o cheiro peculiar de incenso e suor. Ocupavam os lugares reservados aos mutilados de guerra, cegos ou inválidos civis, e a idade que os separava podia fazer pensar em avô, filho e neto, embora os seus gestos tivessem a mesma idade – mil e novecentos anos de falsa humildade.
O aeronauta era gordinho, baixinho, vermelhote. E não entrou sozinho. Entrou avec. E a dona era assim como um colchão amarrado, com marcas de frio nos dedos vermelhos e maltratados e de falta de sabão em vários outros pontos do anafado corpo. Mas que importância, digamos, tem o sabão ou a falta de sabão para quem está apaixonado? E o bravo dominador dos ares demonstrava publicamente na terra o seu exaltado estado lírico. Com um looping de cabeça enfiou o nariz no cangote da dama, que se sentara ao lado de um dos reverendos, enquanto seu par ficara debruçado nas costas do banco. Ela deu uma sacudidela como se espantasse mosca, e ele, certamente um herói da guerra, metralhou-lhe o pescoço com uma saraivada de beijos. A gorducha demonstrou, por conhecidíssimos estremecimentos, que a sua adiposidade não a encouraçava contra tais projéteis e que o coração fora atingido por eles. Impulsionado pelo êxito do impacto, o aeronauta voltou furiosamente à carga, acompanhando os beijos de palavras consequentes em tom meloso e audível para os passageiros em geral e muito particularmente para os sacerdotes, que se entreolharam com sabedoria de sacristia, tendo o mais velho, por um sorriso condenatório, mostrado seu desprezo por tais práticas terrenas. E o aviador desceu em pique até o volumoso seio da sua Dulcineia. Desceu e mergulhou a mão enamorada naquelas irresistíveis profundezas. Não sei se foi um riso, um grito, ou as duas coisas juntas o que a dama deu. Mas os padres levantaram-se. Levantaram-se ao mesmo tempo como num passo de ballet, enfiaram-se pela porta que se abrira com um suspiro pneumático – estava-se na Concórdia. Da plataforma, num tríplice olhar, condenavam ou invejavam o aviador. Esse, porém, nem eles se tinham levantado e já estava com a sua dama ocupando o banco todo que se vagara. Novo suspiro pneumático e o veículo arrancou, e antes que o aviador praticasse mais um ato por demais aviatório, fui obrigado a descer pois tinha encontro marcado na outra estação.
Marques Rebelo, “Correio europeu”
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