Aparentemente tudo principiou com Etelvina, ama de leite dos meninos mais velhos, precursora de Sebastiana. O nome Etelvina pertence a uma eternidadezinha anterior à minha primeira notícia de Deus, do cosmo; Etelvina, placa recebendo nossas mais remotas impressões digitais; excluída do elenco das mulheres diademadas. De suas profundezas trouxe-nos a primeira ideia da cor preta, a noite e adjacências. Fazia escuro, fazia medo no corpo de Etelvina. Seu leite trouxe-nos a primeira ideia da cor branca. Etelvina implicava síntese da cor e ausência da cor. Penso mesmo que Etelvina trouxe-nos o fogo, a mais remota imagem que tenho dele: vejo-a que acende no quadrado da cozinha uma lasca do brinquedo subversivo furtado aos deuses. Etelvina era enigmática, sentada em silêncios duros, abrindo-se somente quando empurrada; mesmo assim foi-nos ajudante da palavra, recordo- -me que mencionava geringonça ou antes giringonça, papão, cocô, mula sem cabeça, brabuleta. Etelvina serviu-nos de primitiva toca e santuário; aqueles peitos aliciantes, beiços vermelhos, olhos de terror, isto é, do nosso terror, faziam de emblemas.
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Etelvina foi a primeira a cantar para nós o tristíssimo “Quindum sererê”:
Fui na fonte de meu pai,
Quindum sererê,
Fui lavar meu rosarinho,
Quindum sererê,
Lá o bicho me pegou,
Quindum sererê,
Me pôs dentro dum surrão,
Quindum sererê.
Canta canta meu surrão
Que eu te dou com o meu bordão. (bis)
Esta cantiga entrou nos meus poros, assimilei-a: começava a música, o ritmo do homem começava; era uma vez, e será para todo o sempre.Murilo Mendes, "A idade do serrote"
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