segunda-feira, novembro 11

Frases anotadas num bloquinho

Fruto tardio, quem me dera tivesses vindo quando eu ainda podia ver em ti a cor da alegria e apalpar tua polpa macia, quando eu ainda tinha dentes e as tuas sementes podia com minhas mãos à terra lançar. Fruto tardio, quem me dera tivesses vindo quando eu ainda podia olhar-te e ver-te, olhar-te e ver-te apenas, sem a perda lastimar de não poder morder-te, de não poder provar-te, de não poder ter-te. Quem te dera, ah, quem te dera, fruto tardio, não tivesses frutificado e estivesses ainda florindo, pelo sereno roçado e perolado pelo rocio.

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Ficar conversando com seus botões não dá camisa a ninguém.

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Quando já era o único fruto da árvore e parecia destinado, como os anteriores, a cair, foi descoberto no fim de uma manhã por um passarinho peregrino e voraz que amorosa e intensamente o bicou até que, ao chegar a tarde, ele não fosse senão a lembrança de algo já quase podre que havia estado no galho e que, redimido e levado por um par de asas, rumava agora para algum lugar do horizonte.

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Salvo uma exceção em mil, o soneto não passa de uma bem-sucedida união do autor com o leitor para uma perda de tempo compartilhada.

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Continuo, há quatro anos, onde me disseram que ela ia passar. Já se tornou um gato velho o gatinho que eu lhe trouxe de presente.

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Há livros tão irremediavelmente ruins que nem uma epígrafe de Shakespeare conseguiria salvar.

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O homem sabia que aquele instante, como os demais, seria apagado pelo tempo, ou pela morte, mas não pensaria nisso nem sofreria tão agudamente essa perda se a mulher, ao acabar de pôr uma pipoca nos lábios, não se surpreendesse ao ver uma pequena ave furtá-la e fugir, o que o levou a pensar por que, em vez do passarinho, não tinha ele mesmo assumido aquela audácia.

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