segunda-feira, maio 12

Confissões de Malatesta

“Minha família são os livros, meu lugar, qualquer biblioteca. Quisera que a humanidade houvesse falado um idioma em todos os tempos, para ler os livros de todos os povos. A paixão pelo livro me proporcionou dias de inefáveis gozos e pesares sem conta. Porque um livro, como uma mulher, ama como aborrece, se entrega ou resiste, é fiel ou inconstante, acaricia ou maltrata, faz rir ou chorar, e às vezes dormir profundamente.

(...)
Ao ver ou encontrar simplesmente o anúncio de um livro novo me dá êxtase, produz efeitos extraordinários: os olhos se tornam mais vivos, a inteligência se agita, os nervos não me deixam em paz; me agito, me movo, bailo, salto, gesticulo e rio como um idiota. Obra nova! Um livro a mais para ler. Para mim não há alegria igual; tudo a mais desaparece a meus olhos; tudo menos a obra nova, que se oferece a meus olhares, formosa, provocativa, deslumbrante, como se o sol, baixando à terra, se fizesse livro.
(...)
O livro em mãos inexperientes é um mártir; a todos que se ensinasse a ler conviria ensinar antes a tratar os livros, como se educa as crianças ao mesmo que se as instrui. Emprestar um livro é ser cúmplice de adultério; aquele que rouba o livro executa um rapto; quem o vende o prostitui.
O livro na prateleira é uma jóia; envolto em papel, uma mercadoria; no bolso, um recurso, sobre a mesa, um enfermo; no chão, um cadáver; na biblioteca, uma múmia, e na mão, ah, na mão, é um livro. Um livro antigo infunde respeito; velho, move a compaixão; sujo parece um empesteado; roto, faz chorar, e novo, faz sorrir.  (...)
O livro em brochura é o livro de meus amores. Meu amigo inseparável; onde quer que vá me acompanha; umas vezes no bolso, outras na mão, nunca debaixo do braço; levo -o comigo e me fala a toda as horas; dorme a meu lado, come em minha mesa, fazemos juntos visitas e pela rua, em meio ao tráfego e pessoas que cruzam, em todos os instantes do dia, o tenho antes meus olhos e o leio tranquilamente palavra por palavra, linha por linha e folha por folha.
Minha ambição, meu ideal, é possuir uma biblioteca no meu jardim. Flores e livros!
Perfumes e sentimentos! Ideias e cores!
Temo que a morte porque virá interromper minhas leituras. Quantos livros se publicarão depois que terei deixado de existir. Que boas e belas coisas se imprimirão que eu não lerei. Isso me desespera.
Oh, meus queridos livros, vocês são meu coração, minha inteligência e minha vontade. Não me faleis de mulheres, de fortuna, nem de honras, dai-me livros, mais livros, sempre livros.”
Errico Malatesta – (1852/1932) teórico e ativista anarquista italiano

Nenhum comentário:

Postar um comentário