É comum se dispensar os livros depois da leitura, o que faz
a sobrevivência dos sebos. Há hoje um hábito arraigado de que não serve para
nada – a não ser acumular poeira e ocupar espaço – guardar o que se leu. Se os
livros foram de outros como de um defunto ou de um ex, vão-se porta afora para
depósitos e lojas já entulhados de outros volumes, dispensados na maioria das
vezes por quem gastou dinheiro em sua aquisição e aproveitou talvez muito mal
as palavras que leu. É costume que não tem raízes na tradição leitora quando os
livros valiam a preço de ouro e sua manutenção em casa era uma questão de
status.
Com os tempos de modernidade, o livro passou a ter
tratamento de um objeto qualquer, útil apenas para a escola. Passaram a ter
espaço cativo, como guardas de memória, ocupando espaços e mais espaços, os
antigos discos de vinil ou os CDs. Dizem que música se pode ouvir a qualquer
hora. Os filmes podem ser vistos quando nada tiver na tevê. E os livros? Não podem ser lidos e relidos
também infinitamente? Não trazem ou trouxeram tantos bons sentimentos,
lembranças inigualáveis? Quando se ouve a citação de um livro lido, que nos
interessou muito, não dá vontade de relê-lo? E aquela obra esquecida, mas
relembrada por um filme ou pela televisão, também não merece ao menos uma
passada de olhos, e ter seu espaço reservado?
Leitores de releituras contumazes normalmente são os
machadianos, os proustianos, os roseanos. Existem espalhados por aí, mas
integram estatísticas como exceções, nem formam batalhões. Normalmente relêem a
obra inteira ou apenas um volume especial. Um senhor de mais de 80 anos relia
até duas vezes por ano “Cazuza”, de Viriato Côrrea, desde a primeira leitura
por volta dos 11 anos. O volume, presenteado pelo casal de padrinhos, ainda
mantinha a dedicatória sobrevivendo em muito bom estado apesar das dezenas de
anos manuseado. Ocupava destaque na biblioteca como primeiro livro de presente,
mas era o único a merecer tal regalia da releitura constante.
Reler livros dos mais distintos tipos é coisa incomum. Há
aqueles releitores de qualquer obra desde que sejam sugestionados para retomar
aqueles livros. A chuva pede um determinado livro a ser revisto; uma imagem no
computador pode sugerir aquele outro; a lembrança fugaz de um acontecimento
antigo relembra páginas lidas naquele tempo. Para isso precisam ter sempre ao
lado toda uma biblioteca, que mais não fosse uma guardiã de livros é também a
fonte pronta a atender nossa sede momentânea de leitura. São esses amantes de
muitos livros, protetores de infinitas lembranças.
Há quem reveja, hoje, inúmeras vezes o filme predileto em
DVD e a música de boas lembranças, a preferida do coração, aquela que tocará no
funeral, mais uma enésima vez. O livro tão amado não merece sequer a gratidão
de uma releitura à mão, esperando numa estante de casa. Fica na lembrança apenas
a ponto de muitas vezes se procurar por sebos e mais sebos, estante a estante,
a obra da qual guardam o nome e outros sequer isso, lembram apenas da capa azul
com uns desenhos ou coisas que tais. Mas esquecem que o livro amado foi posto
fora por quem hoje o procura.
Livro relido, embora pareça lembrado na íntegra, é sempre novo. Quem relê sabe muito bem reencontrar sensações num parágrafo esquecido, pode mesmo descobrir novas emoções, um trecho mais empolgante que “passou” quando se leu a primeira vez. E pode-se muitas vezes encontrar aquele autor que não encontramos quando lemos lá atrás. Será um novo livro, com mais novidades, pois ai daquele que bate no peito e, do alto da sabedoria dos ignorantes, diz : “Já li esse livro”. E não tem nada a dizer sobre ele, sequer uma lembrança.
Livro relido, embora pareça lembrado na íntegra, é sempre novo. Quem relê sabe muito bem reencontrar sensações num parágrafo esquecido, pode mesmo descobrir novas emoções, um trecho mais empolgante que “passou” quando se leu a primeira vez. E pode-se muitas vezes encontrar aquele autor que não encontramos quando lemos lá atrás. Será um novo livro, com mais novidades, pois ai daquele que bate no peito e, do alto da sabedoria dos ignorantes, diz : “Já li esse livro”. E não tem nada a dizer sobre ele, sequer uma lembrança.
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