Ao pegar num livro, ao colocá-lo na prateleira, ou ao
folheá-lo apressadamente em minha casa nas mesas, nas cadeiras, nas camas e
tapetes, toda a espécie de livrarias, com horas de páginas entreabertas, de
férias e de passeio, ocorre ao espírito.
Então gosta muito de livrarias? Elas fazem sonhar?
Gosto dos livreiros e das livrarias, e de encontrar na ponta
dos dedos que voltam as páginas a preguiça sussurrante das longas pausas sob as
galerias do Odeon, entre as prateleiras de alfarrabistas gigantes da Quinta
Avenida em Nova Iorque ,
ou entre as montras de Brentano’s, ornadas de livros luzidios como caixas de
conserva Libby’s, perto da Quinta Avenida, ou em Piccadilly, na grande Faber
and Faber, de Londres, onde existem as mais belas prateleiras de livros
infantis do mundo, ou no Fritze em Estocolmo, cuja vitrina é lacada como o
casco de um iate que estivesse ancorado no Fredsgatan, ou no Mondadori, na
Galeria de Milão (Peter Cheyney, em italiano, e Leonardo da Vinci, em inglês,
acasalam bem nas prateleiras), ou então essa livraria de Laussanne, já
desaparecida, que se encontrava ao lado de Pepiner como um refúgio de alta
montanha para livros raros.
Há uma relação muito amorosa sua com o livro.
Gosto de que os livros partilhem minha vida, me acompanhem,
flanem, trabalhem e durmam comigo, se misturem às venturas do dia e aos
caprichos do tempo, aceitem encontros comigo em horas “impossíveis”, ronronem
com a gata ao pé da minha cama, ou se espreguicem com ela sobre a grama,
amassem um pouco suas páginas na rede de verão, se percam e se reencontrem.
Entre livros e pessoas o que escolheria?
Os livros são, para mim, muito mais amigos do que servidores
ou senhores. Não misturo as pessoas e os livros, porque tento tratar os livros
como eles me tratam, isto é, de homem para homens. Os livros são pessoas ou não
são nada. Pessoas muitas vezes, simplesmente mais abertas (ou mais fáceis de
abrir) do que as pessoas-pessoas.
Essa relação também existe com as bibliotecas?
Prefiro os magazines de onde se sai com seu amigo sob o
braço, as grandes ou as pequenas livrarias, e os membros de sua família,
“bouquineries”, livrarias especializadas, caixotes dos cais, feiras de livros
usados em Lausanne, perto do Palais de Justice, ou em Moscou, sob as calçadas
do Théâtre d’Art, e os depósitos de livros de segunda mão, ao fundo da Terceira
Avenida, em Nova Iorque
Essas visitas às livrarias importam naturalmente em comprar. O senhor gasta
muito em livros?
O dinheiro, seguramente, não faz a felicidade, mas ajuda a
comprar livros. Eu regresso para casa, dia a dia, com mais alguns livros do que
ela pode conter. Mas o amador de livrarias é como alguém que não pode deixar de
convidar um hóspede inesperado à refeição improvisada: apertamo-nos um pouco,
mas quando há para três, há para quatro. Morta é a casa onde não entram
diariamente um livro e um novo visitante, novos amigos
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