Millor Fernandes
quinta-feira, julho 31
Família se desfaz de casa de Cheever
O escritor em sua casa de Cedar Lane |
Cheever, apelidado do "Tchecov dos subúrbios" por basear sua ficção no Upper East Side de Manhattan, escreveu, entre outros, "A crônica dos Wapshot", considerada sua melhor obra, e os contos de "O mundo das maçãs", que o tornaram um celebrado contista.
Cora Coralina
Reportagem produzida para a TV Integração
afiliada a Rede Record em Alto Araguaia (MT).
Anualmente, no
mês do aniversário da cidade, em julho, a capital de Goiás se transfere
provisioriamente para a Cidade de Goiás. Neste período a história de uma das
maiores poetizas do Brasil, Cora Coralina, se faz viva mais do que nunca aos
turistas.
quarta-feira, julho 30
Livros à beira mar
Uma feira de livro bem diferente ao som das ondas |
O Largo do Passeio Alegre, em Póvoa de Varzim, dará lugar
aos livros a partir de quinta-feira, quando será realizada a feira do livro
local. É lá que até ao dia 17 decorre a Feira do Livro, promovida pela Câmara
Municipal da Póvoa de Varzim.
Com o mote “A ler o mar” representa não só os milhares de
livros que vão estar disponíveis, mas também a excelente localização, à beira
do mar. O evento reúne inclusive estande com edições da região e de livros
usados. Póvoa de Varzim promove a terceira
maior Feira sempre o início do Verão e com o detalhe de ser promovida pela
Câmara local. do país, logo a seguir às feiras do livro de Lisboa e do
Porto.
Estudos para a paz
O desafio filosófico dos estudos para a paz é a reconstrução normativa das nossas competências para fazer as pazes. Pensando nisso, a Paulus lança “Ética, direito e política – A paz em Hobbes, Locke, Rousseau e Kant”, obra que, oportunamente, traz a temática da paz tal como concebida por esses filósofos contratualistas modernos. A obra, escrita por Paulo César Nodari, é dividida em seis capítulos. No primeiro, o autor analisa o raciocínio político de Hobbes, defendendo a tese de que o filósofo inglês é um incansável defensor da paz. A seguir, Nodari analisa Locke, que, segundo ele, é uma das referências notáveis e imprescindíveis a compreensão da arquitetônica política do mundo moderno.
Para tratar de Rousseau e sua contribuição para a paz, o autor fala sobre os questionamentos centrais que dominavam os debates políticos nos séculos XVII e XVIII: aumento de desigualdade entre seres humanos e o problema da legitimidade do absolutismo político. Ao analisar Kant, Nodari apresenta ao leitor o projeto kantiano da paz. Nele, Kant apresenta as três teses para a paz definitiva e trata da relação dos cidadãos com o Estado, da relação entre as nações e do direito dos cidadãos no mundo enquanto seres humanos.
Dividido em duas partes, o livro traz indicações teóricas para desencadear novas pesquisas, mas também sugestões práticas para empreender um caminho de consolidação da paz.
Para tratar de Rousseau e sua contribuição para a paz, o autor fala sobre os questionamentos centrais que dominavam os debates políticos nos séculos XVII e XVIII: aumento de desigualdade entre seres humanos e o problema da legitimidade do absolutismo político. Ao analisar Kant, Nodari apresenta ao leitor o projeto kantiano da paz. Nele, Kant apresenta as três teses para a paz definitiva e trata da relação dos cidadãos com o Estado, da relação entre as nações e do direito dos cidadãos no mundo enquanto seres humanos.
Dividido em duas partes, o livro traz indicações teóricas para desencadear novas pesquisas, mas também sugestões práticas para empreender um caminho de consolidação da paz.
terça-feira, julho 29
Os dias do Capitalismo no pós guerra
Em “Os Dias de Sol – A Trajetória do Capitalismo no Pós
Guerra” (FACAMP Editora), Frederico Mazzucchelli proporciona uma visão abrangente de um
período singular na evolução do capitalismo no século XX: os Anos Dourados, um período marcado pelo
crescimento econômico, pelo pleno emprego e pelo bem-estar social. Trata-se de
um momento no qual vigorou uma conjuntura histórica quase única, caracterizada
pela ação consciente das sociedades, que conseguiram disciplinar, impondo
limites, a atuação espontânea dos mecanismos de mercado, graças aos
bem-sucedidos consensos políticos alcançados após a derrota do nazismo. A
atualidade destas questões é indiscutível perante a recente crise econômica,
especialmente diante dos exemplos do pós-guerra. Elas indicam claramente que
não será com a desregulamentação cega, a austeridade impiedosa ou o desmonte do
Welfare State que a economia e as sociedades voltarão a se fortalecer.
Assim biblioteca vai a todo canto
Projeto leva mais esperança aos necessitados |
Uma solução simples,
prática e inovadora para a carência de espaços para bibliotecas nas escolas
sul-africanas é literalmente encaixotar tudo. Assim faz o projeto de
bibliotecas do Mandela Day, que reutiliza contêiners de navios para fornecer
estruturas quase instantâneas para escolas primárias que mais precisam. A
primeira unidade foi inaugurada em 2011 na Escola Primária Tsakane, em East
Rand , na província de Gauteng, e desde então mais 40 foram abertas, atendendo
escolas em áreas rurais e urbanas e auxiliando mais de 30 mil alunos.
A inovação está na
simplicidade da intervenção, seu custo-benefício, e sua escalabilidade.
Contêiners navais adaptados custam muito menos que estruturas de alvenaria,
podem ser deslocados caso não sejam mais utilizados, e não requerem licitações
ou planejamento de planta.
As bibliotecas promovem a cultura da leitura e endereçam a necessidade de acesso igual aos recursos da educação
Mandela Day Foundation
Os beneficiados incluem não só crianças, que usam as bibliotecas para melhorar seu alfabetizado, compreensão, e conhecimento, como também professores e, indiretamente, pais e familiares. Há um treinamento especializado para os bibliotecários designados a comandar as bibliotecas - em muitos casos, essas pessoas são voluntárias da comunidade - trazendo assim capacidade para as escolas assim como um contexto local para as comunidades e a criação de um ambiente que serve a comunidade como um todo.
segunda-feira, julho 28
Vida de autor
Quando era criança e me perguntavam o que queria ser
quando fosse grande, eu respondia: “Bombeiro, astronauta”. Minha resposta nunca
nem passou perto de: “Quero ser escritor de livros infantis”. Hoje, quando me
encontro com leitores por todo o Brasil, já escuto com frequência crianças que
sonham ser escritores. Isso, com certeza, tem a ver com o privilégio de uma
geração de conhecer escritores e se identificar com eles. Aliás, não conheci
nenhum escritor ao vivo na
minha vida escolar.
O que acontece nesses encontros com as crianças? É um
momento em que conto os bastidores da minha criação literária, falo como cada
história nasceu e como minhas filhas fazem parte desse processo. Por exemplo, o
livro “Papai é Meu!” começou
a ser gestado em um passeio ao parque, quando a menor começou a puxar meu braço
dizendo: “Papai é meu!”.A mais velha reagiu: “Não, papai é meu!”. Começou um
cabo de guerra com os meus braços que não aguentei e dei um grito: “Para!”. A
pequena disse: “O que foi, pai?”. “Vocês querem me rasgar pela metade?”. A
pequena, com espanto, perguntou: “O que ia acontecer?”. “Cada uma ia ficar com
uma metade de pai!”. A pequena arregalou os olhos e disse: “Que legal!”. Abri
um sorriso e comecei a construir o livro na minha cabeça. Para descobrir o
resto, só lendo o livro.
Plenos de histórias
Eduardo Galeano
Assim começa o livro...
Café preto
Hercule Poirot tomava o café da manhã no seu pequeno porém
aconchegante apartamento em Whitehall Mansions. Tinha apreciado o brioche e a
xícara de chocolate quente. Para surpresa de seu criado George, pois Poirot era
uma criatura metódica que raramente variava a rotina do seu breakfast, o patrão pediu-lhe que
preparasse uma segunda xícara de chocolate. Enquanto esperava por ela,
relanceou de novo para a correspondência da manhã, pousada sobre a mesa.
Meticulosamente ordeiro como sempre, ele colocou os
envelopes descartados numa pilha bem arrumada. Haviam sido abertos com cuidado,
com uma espátula em forma de espada em miniatura que seu velho amigo Hastings
lhe dera como presente de aniversário havia muitos anos. Uma segunda pilha
continha aqueles comunicados que considerava de nenhum interesse – panfletos,
principalmente -, que no momento oportuno pediria a George para dar um fim. A
terceira pilha consistia naquelas cartas que exigiam algum tipo de respostas,
ou pelo menos confirmação de recebimento. Cuidaria disso depois do desjejum e,
em todo caso, não antes das dez horas. Poirot achava não ser muito profissional
começar uma rotina diária de trabalho antes das dez. Quando estava envolvido
num caso... ah, bem, claro que aí era diferente. Recordou-se daquela vez em que
ele e Hastings levantaram bem antes do alvorecer a fim de...
Agatha Christie
domingo, julho 27
È preciso mastigar e digerir
A 'orelha' do inédito de Suassuna
Nos últimos 30 anos, Ariano Suassuna se dedicava ao livro
mais caudaloso e importante da carreira literária, “O jumento sedutor”, que atingiu
duas vezes a versão final, encaminhada para a editora. Com de cerca de 300 páginas,
reúne romance, teatro e poema, além de ilustrações dele, tudo escrito à mão por
Ariano e digitado posteriormente, como sempre fazia. "O livro está pronto.
Ele não estava escrevendo o livro, mas fazendo modificações, que não sei o que
eram", explica Maria Amélia de Mello, da José Olympio, responsável por
todo o catálogo do artista, à exceção de “A pena e a lei” e “Auto da
Compadecida”, ambos da Agir.
Leia mais sobre o livro
Leia mais sobre o livro
Apresentação de livro inédito de Ariano Suassuna
Raimundo Carrero
Este livro é uma Revelação, assim mesmo com letra maiúscula e tudo, para ressaltar a questão reliogiosa-teológica, assim como histórico-literária; porque não é uma Odisséia nem uma Epopéia, no sentido de contar a história de um povo, com suas lutas e seus feitos heróicos; porque não é uma novela, com tudo de maravilhoso que se espera de um texto assim; como não é também um romance, por aquilo que supera em muitos pontos o que se diz numa obra de ficção, com os seres transtornados, felizes e as almas sacrificadas.
É mesmo uma Revelação ao trazer à luz o espírito vivo, mágico e grandioso do verdadeiro Brasil, a iluminar e esclarecer nossa formação inquieta e revolucionária, e ao desvendar, em estilo ou estilos que se consagram pela luminosa interpretação da cor, da raça e do sangue do brasileiro, seus amores, suas intrigas, e suas aventuras e, ainda mais, oferecendo-lhe um caminho e um destino como fizeram Dostoievski e Tólstói da Rússia, ou com Cervantes já fizera antes com a terra áspera e montanhosa da Espanha, transformada em Grande Teatro do Percy Lubock diz que Tólstoi escreveu Guerra e Paz com as duas mãos. Enquanto a esquerda escrevia a Epopéia russa, a direita redigia um romance. Ariano Suassuna, porém, escreve este livro com as duas mãos, o coração, a mente, os nervos e o sangue, dando-lhe a dimensão de notável obra-prima, dessas capazes de iluminar não apenas personagens e situações, mas de revelar os caminhos de um povo traça para formar a sua grandiosidade e sua força; por isso, está muito acima do que comumente se escreve neste e noutros países. Aqui, a literatura de ficção vai além daquilo que se convencionou chamar de textos literários, pelo menos no sentido que nós conhecemos. Personagens, por exemplo, não são apena metáforas e símbolos, assumem a dimensão de Mitos e se revelam e se transformam durante todo o livro.
O leitor que se prepare para ter visões deste Brasil que se levanta aqui e que, por razões óbvias, ainda não se dera totalmente a conhecer, mesmo em obras fundamentas como Os sertões, de Euclides da Cunha, ou Grande Sertão-Veredas, de Guimarães Rosa. Estruturado em canas teatrais, Repentes, Epístolas, cantares e cordel, o Livro se apresenta como um espetáculo de circo, ao mesmo tempo popular e erudito, com muitas variações e exibições que desafiam, grandemente o espectador. Porque aqui o leitor não é apenas um leitor, é muito mais do que isso, é leitor, participante e espectador, no que revoluciona toda a prosa brasileira, desde seus textos mais tradicionais e conservadores, passando pelas vanguardas, até o caminho pronto, a nos indicar o verdadeiro e definitivo destino da ficção nacional.
Então, o espectador, participante ou leitor, que se prepare para acompanhar as páginas que vão se agigantar revelando – para seguir a Revelação -, numa plena realização Estética, Social Religiosa e Profana, tudo isso que reunido forma a prosa literária e que é atributo dos escritores guiados pelo Espírito e pelo Sangue e não apenas pela caneta e pelo papel, como se dizia antigamente.E
sábado, julho 26
Casas lotadas de livros?
“Com as prateleiras de casa lotadas, as pessoas começam a buscar cada vez mais livros digitais”
Quem dera que nossas casas estivessem
lotadas com livros. Pode-se contar quem hoje se dê a esse luxo de lotar a casa
de livros, em que pese não ser nenhum luxo, mas um bom gasto financeiro e muita
disposição para deambular atrás do seus queridos volumes, lidos e relidos.
Victor Hugo para crianças
A
editora Gaivota está lançando o livro “Cantos para os meus netos”, de Victor
Hugo (1802-1885), reúne oito poemas do escritor francês retratando o universo
infantil. No primeiro deles, o leitor poderá acompanhar um diálogo de três
crianças, de 5, 6 e 7 anos, discutindo sobre os animais de um zoológico. Em
outro, acompanhará a relação entre um neto e um avô, transmitindo a infância
com a imagem da felicidade.
Tratando
de aspectos comuns ao universo infantil da época, os poemas advêm da
convivência de Victor Hugo com seus dois netos. Mas, ao contrário do que se
pode pensar, as crianças dos dias de hoje conseguem se identificar com o texto,
pois tratam de temas frequentes, como as dúvidas frente às pequenas coisas da
vida.
A
linguagem poética transporta os leitores para um cenário lúdico, onde o
romantismo é recriado por Laurent Cardon em tons pastéis. Além da versão em
português, pela professora Marie-Hélène Catherine Torres, a segunda parte do
livro também traz os poemas originais, em francês, e uma análise de cada um
deles. As ilustrações são de Laurent Cardon.
Os dois bichos mais engraçados desse mundo,Deus faz as perguntas e as crianças respondem
O gato e o rato, se odeiam. Mas por quê?
Explique-me isso, Jane’. E sem saber por quê,
Frente à sombra e ao espaço misterioso,
Jane começou a rir.
sexta-feira, julho 25
Os evangelistas de Mälesskicher
Gabriel Mälesskircher, que morreu em 1495, quando a sífilis assolou a Europa, viveu, segundo alguns registros em Munique, onde teve vida ativa até como político. Mas foi como pintor que ficou para a história. Entre seus trabalhos mais importantes estão os 13e retábulos encomendados para o monastério beneditino de Tegernsee, que no século XIX foi reformado e vendeu parte de seu acervo. As obras de Mälesskircher, bem documentadas e datadas, estão divididas entre várias coleções, entre elas as dos evangelistas, hoje no Museo Thyssen-Bornemisza, em Madri.
Dos oito painéis do mosteiro de Tegernsee, quatro apresentam os evangelistas trabalhando em seus estúdios, ocupados com a redação dos Evangelhos. São quatro representações bem detalhadas de como cada copista trabalhava em seus scriptorium
São Mateus |
São Marcos |
São João |
São Lucas |
À espera do leitor
Há quem pense que os livreiros só guardam velharia. Há mesmo
aqueles que veem o sebista como um guarda de mortos. Não é à toa a aversão,
principalmente das mulheres, a essas lojas. A desculpa é sempre da poeira e da
velharia. Afinal, a maioria dos livros é de autores e leitores mortos, com
muito pó guardado. Mas ainda assim quanta vida podem gerar. Os autores estão
preservados, intatos, em ideias e texto. Os leitores marcaram de alguma forma
os seus dias de leitura. Bem pode ser que livros mortos, mas estes já nasceram
para virar pó. Tinham característica própria de que rapidamente acabariam num
papeleiro ou, se resistissem mais, alimentariam traças. São minoria. Os livros
resistem bem mais do que se pensa. Um reparo aqui e outro ali faz deles quase
imortais. Alguns mesmo superam os próprios imortais. Estão nas prateleiras há quase
tantos anos quanto o autor tem de morte. Esperam a mão, a curiosidade que
guiará a mão do leitor para saborear um jeito de ser mais velho do que a
própria vovozinha. E ficam por lá,
conservados em poeira, resguardados em teias.
quinta-feira, julho 24
Assim começa o livro
Nero
Sentia-se cada vez pior. Agora nem a cabeça sustinha de pé.
Por isso encostou-a ao chão, devagar. E assim ficou, estendido e bambo, à
espera. Tinha-se despedido já de todos. Nada mais lhe restava sobre a terra
senão morrer calmo e digno, como outros haviam feito a seu lado. É claro que
escusava de sonhar com um enterro bonito, igual a muitos que vira, dentro dum
caixão de galões amarelos, acompanhado pelo povo em peso... Isso era só para
gente, rica ou pobre. Ele teria apenas uma triste cova no quintal, debaixo da
figueira lampa, o cemitério dos cães e dos gatos da casa. E louvar a Deus
apodrecer a dois passos da cozinha! A burra nem sequer essa sorte tivera. Os
seus ossos reluziam ainda na mata da Pedreira. Chuva, geada, sincelo em cima.
Até um lebrão descarado se fora aninhar debaixo da arcada das costelas de
caçoada! Ah, sim, entre dois males... Já que não havia melhor, ficar ao menos
ali.
(Conto de abertura de “Bichos”, de
Miguel Torga)
Os dorminhocos
Affonso Romano
Foto: Lina Faria |
“Não saberia viver sem essa coisa que é o livro, seja em papel ou digital”
Ele é um dos intelectuais mais atuantes
do país. Escreve crônicas para jornais e revistas há mais de meio século. É um
dos principais poetas brasileiros, autor de dezenas de livros, entre os
quais “Que país é este?” e “Textamentos”. Estudou a obra de
Carlos Drummond de Andrade, o que resultou no livro “Drummond: o gauche no tempo”.
Affonso Romano de Sant’Anna, mineiro nascido em Juiz de Fora em 1937, foi o
segundo convidado de 2014 do projeto “Um Escritor na Biblioteca”.
COLEÇÃO PARTICULAR
Lá em casa acontece uma coisa que
também deve acontecer na casa de vocês. Volta e meia chega um operário ou um jornalista,
o que é mais grave, e faz a pergunta: “O senhor já leu todos esses livros?”. É
incrível, porque fazem sempre a mesma pergunta. Dependendo do dia, respondo:
“É, eu já li. Esses aí e tem mais três cômodos de uma casa em Friburgo que
também estão cheios de livros. E tem ainda os que eu não tenho, mas li em
bibliotecas.”
NOVOS LEITORES
Reportagens
mostram que na Itália, na França, na Espanha, em qualquer país, os professores
e os comunicadores afirmam que os jovens não sabem mais escrever. E não sabem
por uma razão muito simples: por causa da cultura digital.
NA PALMA DA MÃO
Temos que fazer uma campanha para
que as pessoas descubram que todos têm uma biblioteca nas suas mãos. Quando
você vai a uma lan house, o que se escuta? Uma barulheira incrível. Uma
gritaria sem fim. O que passa? Os meninos estão jogando. São jogos de matar e
morrer. Então, tem que ensinar esse pessoal a ler, seja no computador ou na
tela do celular. Todo mundo está com o celular na mão, mas é joguinho ou
palavra cruzada para matar o tempo, quando o sujeito poderia estar
aproveitandoo tempo lendo algum livro de Dostoiévski, Cervantes ou Machado de
Assis. É importante fazer uma campanha de descoberta da biblioteca digital.
quarta-feira, julho 23
Morre Ariano Suassuna
Sou um escritor de poucos livros e poucos leitores. Vivo extraviado em meu tempo por acreditar em valores que a maioria julga ultrapassados. Entre esses, o amor, a honra e a beleza que ilumina caminhos da retidão, da superioridade moral, da elevação, da delicadeza, e não da vulgaridade dos sentimentos.Ariano Suassuna
O alcoviteiro
Fungos, ácaros, poeira, quem sabe, ratos – não é à toa que o
gato se tornou o melhor amigo do sebista. Pode ser assustador para quem adora a
assepsia de ambientes refrigerados, bem decorados segundo as novas técnicas de
venda. Mas nenhuma modernidade pode superar o encanto de um sebo. São anos
dentro de um deles. Todos guardam um feitiço de velho baú, de um sótão, onde crianças
travessas vasculham as histórias secretas dos ancestrais. O velho álbum da
família humana está naquelas empoeiradas prateleiras. Comerciante com um pouco
de criança, afinal somos nós. Sempre prontos com uma história na ponta da
língua, um olho arregalado para a nova remessa que pode trazer tesouros
impensados, e os ouvidos atentos à caixa registradora.
Pode parecer um retrato assustador. Mas tenham calma,
fregueses. Em nenhum outro lugar se encontra tanta vida concentrada pronta para
ser levada para casa que uma flanela e uma escova não deixem em perfeito estado
de uso. Entre em um desses velhos sebos. A História já estará a recebê-lo no
umbral centenário. Visite prateleira por prateleira. Tire um livro aqui, outro
ali. Se detenha naquela onde está o assunto que mais lhe interessar. Tenha
certeza de que descobrirá o mundo que ficou ali à espera de você.
Os livros têm essa magia da paciência infinda. Numa estante,
esperam talvez inúmeros anos só por você. Por mistérios desconhecidos,
trafegaram em estradas, viajaram mares, frequentaram ambientes onde talvez você
nunca estará. Um dia há o encontro. É o verdadeiro amor à primeira vista. Então
o autor encontra seu irmão em outro idioma. É você, que ali, talvez mesmo
passado um século, descobre o encanto do encontro. E o livreiro, onde fica
nesse caso de amor? Ele é apenas o alcoviteiro, que passou anos entre aqueles
seculares fungos e ácaros para guardar e vigiar um momento único.
Mercado livreiro cresceu
CBL e SNEL divulgam pesquisa de 2013 com 1,52% de crescimento
Enquanto o
PIB brasileiro cresceu 41,82% na última década, a indústria editorial aumentou
seu faturamento em apenas 7,34%. No entanto, segundo a pesquisa Produção e
Vendas do Setor Editorial Brasileiro, divulgada ontem pela Câmara Brasileira do
Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL), o
faturamento das editoras de livros no Brasil alcançou R$ 5,36 bilhões em 2013,
o que representa um crescimento nominal de 7,52% em relação ao ano interior.
Descontada uma inflação de 5,91% (IPCA), o crescimento real foi de 1,52%.
A primeira
má notícia é que, em termos reais, o faturamento apurado pela FIPE – entidade
responsável pela pesquisa – ainda está abaixo do valor alcançado em 2010, não
compensando a péssima performance do mercado em 2010 e 2011. A segunda má
notícia é que o crescimento de 2013 deve-se puramente ao aumento das compras
governamentais que chegaram a R$ 1,47 bilhão no ano passado contra R$ 1,32
bilhão em 2012. Trata-se de um crescimento nominal de 12,04% e, uma vez deflacionados
os números, de um aumento real de 5,79%. Em 2013, 27,51% do faturamento das
editoras foi oriundo de compras governamentais, comprovando a dependência do
setor no governo. Enquanto o governo aumentou suas compras, as vendas dos
editores ao mercado privado ficaram praticamente estagnadas.
terça-feira, julho 22
Chuva atrapalha
Os romances são disparados contra você à taxa de 15 por dia, e cada um é uma obra-prima inesquecível que se você deixar de ler estará pondo sua alma em perigo. Isso deve dificultar demais a escolha de um livro na biblioteca e você deve se sentir muito culpado quando não urra de prazer. (...) Quando todos os romances são despejados sobre nós como obras de gênio, é natural supor que todos são lixo
George
Orwell
O desaparecido
O "velho" Braga em sua "fazenda" de Ipanema |
Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que
sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade
muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um
bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando
dentro de mim.
Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.
Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.
Rubem Braga (1913-1990)
Portugal abre bibliotecas de jardim
As Bibliotecas de Jardim estão de volta às ruas de Braga para disponibilizar livros, jornais e revistas para ler durante este e o próximo mês, como acontece há 17 anos, na difusão do livro e ao fomento da leitura. As Bibliotecas de Jardim têm um acervo de 1.500 livros na Avenida Central e de cerca de mil livros no Parque da Ponte.
segunda-feira, julho 21
Quem responde certo
Uma nova hora
Envelhecer
Antes, todos os caminhos iam.Agora todos os caminhos vêm
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
Mário Quintana (1906-1994)
Ler com esforço
Um jovem de
12 anos e três meses falava comigo sobre o concerto a que tinha assistido. Sem
grande vocabulário, descrevia a multidão, o desempenho da banda principal e o
entusiasmo crescente do público, à medida que o espectáculo se aproximava do
fim. Ouvi com atenção, ao mesmo tempo que estimulava o relato, precisando
alguns pontos com perguntas simples. O diálogo correu bem e tenho a certeza de
que o Diogo ficou agradado com o meu interesse.
Quando a conversa se esgotou, dei-lhe para a mão um jornal recente, onde se fazia a crítica do concerto. Sugeri que a lesse, porque os conhecimentos do crítico musical davam uma visão interessante sobre as canções e poderiam ampliar alguns dos seus conhecimentos, já que a música era sem dúvida uma das suas áreas de interesse.
Com um gesto de enfado, respondeu:
— Tudo
isso?! Está à espera que eu leia isso tudo?! (de notar que a crítica ocupava
apenas uma coluna do jornal).
Esta resposta é habitual nos nossos dias. É muito provável que a geração actual dos nossos adolescentes deixe para sempre de ler jornais, revistas e livros. Sei que professores, alguns pais e muitos responsáveis da educação salientam que ainda há muitos leitores jovens e que as feiras de livros recebem muita gente, por isso persistem em não querer ver este problema. Infelizmente, ele existe.
O cérebro infantil e adolescente precisa de tempo para metabolizar tantos factos disponíveis na Internet (o que é uma conquista dos tempos modernos). A leitura e a escrita própria garantem a pausa necessária para continuar a processar informação que se possa transformar em conhecimento. A não ser assim, teremos no futuro jovens conectados a todo o instante, mas com dificuldade em parar para pensar.
domingo, julho 20
Livros não são mortos
“Porque os livros não são coisas absolutamente mortas; contêm uma espécie de vida potencial, tão prolífica quanto a da alma que os engendrou. E mais: ele preservam, como num frasco, o mais puro e eficaz extrato do intelecto que os produziu. Estou convencido de que eles são tão vivos e tão rigorosamente fecundos quanto aqueles dentes de dragão da fábula. E que, uma vez semeados aqui e ali, podem dar nascimento a homens armados. E, por outro lado, vale refletir que matar um homem pode ser até melhor do que matar um bom livro. Quem mata um homem mata uma criatura racional, feita à imagem de Deus; mas aquele que destrói um bom livro mata a própria razão, mata a imagem de Deus como que no olho”
Trecho
de Areopagítica de John Milton (1608/1674)
Ler pouco
Escritor faleceu ontem |
Jovem, eu sonhava ter uma grande biblioteca. E fui assim
pela vida, comprando os livros que podia. Tive de desenvolver métodos para
controlar minha voracidade, porque o dinheiro e o tempo eram poucos. Entrava na
livraria, separava todos os livros que desejava comprar e, ao me aproximar do
caixa, colocava-os sobre o balcão e me perguntava diante de cada um: “ Tenho
necessidade imediata desse livro? Tenho outros, em casa, ainda não lidos? Posso
esperar?” E assim ia pegando cada um deles e os devolvendo às prateleiras. A
despeito desse método de controle cheguei a ter uma biblioteca significativa,
mais do que suficiente para as minhas necessidades.
Notei, à medida em que envelhecia, uma mudança nas minhas
preferências: passei a ter mais prazer na seção dos livros de arte nas
livrarias. Os livros de ciência a gente lê uma vez, fica sabendo e não tem
necessidade de ler de novo. Com os livros de arte acontece diferente. Cada vez
que os abrimos é um encantamento novo! Creio que meu amor pelos livros de arte
têm a ver com experiências infantis.
Talvez que os psicanalistas interpretem esse amor como uma
manifestação neurótica de regressão. Não me incomodo. Pois, em oposição à
psicanálise que considera a infância como um período de imaturidade que deve
ser ultrapassado para que nos tornemos adultos, eu, inspirado por teólogos e
poetas, considero a maturidade como uma doença a ser curada. Bem reza a Adélia
Prado: “ Meu Deus, me dá cinco anos, me cura de ser grande…” E não pensem que
isso é maluquice de poeta. Peter Berger, um sociólogo inteligente e com senso
de humor, definiu “maturidade”, essa qualidade tão valorizada, como “ um estado
de mente que se acomodou, ajustou-se ao status quo e abandonou os sonhos
selvagens de aventura e realização…” Menino de cinco anos, eu passava horas
vendo um livro da minha mãe, cheio de figuras. Lembro-me: uma delas era um
prédio de dez andares com a seguinte explicação: “Nos Estados Unidos há casas
de dez andares.” E havia a figura de um caçador de jacarés, e de crianças
esquimós saudando a chegada do sol.
O fato é que comecei a mudar os meus gostos e chegou um
momento em que, olhando para aquelas estantes cheias de livros, eu me
perguntei: “Já sou velho. Terei tempo de ler todos esses livros? Eu quero ler
todos esses livros?” Não, nem tenho tempo e nem quero. Então, por que
guardá-los? Resolvi dar os livros que eu não amava. Compreendi, então, que não
se pode falar em amor pelos livros, em geral. Um homem que diz amar todas as
mulheres na verdade não ama nenhuma. Nunca se apaixonará. O mesmo vale para os
livros. Assim, fui aos meus livros com a pergunta: “Você me ama?” (Acha que
estou louco? É Roland Barthes que declara que o texto tem de dar provas de que
me deseja. Há muitos livros que dão provas de que me odeiam. Outros me ignoram
totalmente, nada querem de mim… ). “Vou querer ler você de novo?” Se as
respostas eram negativas o livro era separado para ser dado.
Essa coisa de “amor universal aos livros” fez-me lembrar um texto
de
Nietzsche sobre o filósofo Tales de Mileto, em que ele recorda que “a
palavra grega que designa o “sábio” se prende, etimologicamente, a sapio, eu
saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado; um
apurado degustar e distinguir, um significativo discernimento, constitui, pois,
(…) a arte peculiar do filósofo. (…) A ciência, sem essa seleção, sem esse
refinamento de gosto, precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega
avidez de querer conhecer a qualquer preço; enquanto o pensar filosófico está
sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas…” E depois, no Zaratustra,
ele comenta com ironia: “Mastigar e digerir tudo – essa é uma maneira suina.”
O fato é que muitos estudantes são obrigados a ler à maneira suina, mastigando e engolindo o que não desejam. Depois, é claro, vomitam tudo… Como eu já passei dessa fase, posso me entregar ao prazer de ler os livros à maneira canina. Nenhum cachorro abocanha a comida. Primeiro ele cheira. Se o nariz não disser “sim” ele não come. Faço o mesmo com os livros. Primeiro cheiro. O que procuro? O cheiro do escritor. Se não tem cheiro humano, não como. Nietzsche também cheirava primeiro. Dizia só amar os livros escritos com sangue.
Ler é um ritual antropofágico. Sabia disso Murilo Mendes quando escreveu: “No tempo em que eu não era antropófago, isto é, no tempo em que eu não devorava livros – e os livros não são homens, não contém a substância, o próprio sangue do homem?” A antropofagia não se fazia por razões alimentares. Fazia-se por razões mágicas. Quem come a carne do sacrificado se apropria das virtudes que moravam no seu corpo. Como na eucaristia cristã, que é um ritual antropofágico: “Esse pão é a minha carne, esse vinho é o meu sangue…” Cada livro é um sacramento. Cada leitura é um ritual mágico. Quem lê um livro escrito com sangue corre o risco de ficar parecido com o escritor. Já aconteceu comigo…
Rubem Alves (1933-2014)
sábado, julho 19
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