Esperando os morcegos
Ganhamos horas de insônia. Necessitamos saber dos amigos. Nos perguntamos em que extremo o calado está, de que é feito seu silêncio, se de estupor ou indiferença. Nossas mãos tremem. Pessoas discutindo alto na avenida e você já imagina o pior. Pessoas empenhando tanta fúria, tanto fogo numa briga de esquina que é como se mundos estivessem em jogo. Passa um bêbado chutando uma latinha, não dá tempo de frear a paranoia de pensar que tragédias podem sem mais nem menos explodir de arbitrariedades como essa, de um bêbado ziguezagueando pelo meio fio, chutando uma latinha escangalhada. O medo com sua capa se levanta, é real, faz suar, faz tremer, perverso como um surto, nem lembra mais um poema. Você dá pela falta dos morcegos, daquele som veludoso que eles fazem, que eles faziam um tempo atrás, diariamente, pouco antes do primeiro ônibus da manhã, aqueles amigos que você aprendeu a esperar, e agora nada, desapareceram, você não sabe se por causa das chuvas ou das sirenes de polícia que começaram a tomar conta das madrugadas. Mas não basta esperar, é preciso uma alquimia, descoser a capa do medo, dançar as tristezas recém-acontecidas, varrer das notícias tudo o que não é humano, só então você pode continuar, você confia, e essa confiança ainda é menos feita de mentira que de aurora, e embora essa mistura de inocências e revólveres (leiteiros não há mais), você aposta que, onde quer que esteja agora, aquele bêbado está a salvo por mais dia, e que amanhã, amanhã sim, os morcegos voltam.
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