Em cada domingo, empreendia o caminho das águas. Na canoa remava. Sentia-se bem com a manhã clara, a aflorar sentimentos de ternura, a cada lance que remava. ”Rema, rema, remador, se queres ver o teu amor”.
Manejava o remo com serenidade, a canoa singrava no espelho das águas. Prosseguia na manhã sem nuvens, o moço concentrado em cada remada que dava, a canoa como uma folha deslizando nas águas claras, de fontes puríssimas. “Se a canoa não virar, devagar chegarás lá, o teu amor vais encontrar.”
Lorenzo Mattotti |
O casamento foi marcado para maio, mês de nascimento do moço artesão e da moça tecelã. Era para acontecer num desses domingos de sol radiante. Na igrejinha de paredes alvas, erguida na colina, no pátio enfeitada de bandeirolas. Lá dentro os vasos com cravos e rosas, os ares ativados com o perfume das flores. O sino velho na torre saudaria os noivos, as batidas fazendo blem, blem, blem, alegrando a cidadezinha na manhã luminosa.
Vontade de chegar depressa, abreviar o caminho das águas. Bater à porta da casa onde a moça o esperava desde cedo, o coração temeroso, o rosto de ânsia. A canoa impelida pelo remo em lances cadenciados. O vento, a princípio manso, de repente assoviou forte, no peito do moço bateu enraivado. Mostrava que também estava enamorado da moça. Vento virado em bicho ciumento, danado, como se quisesse derrubar nas águas o moço, impedindo-o de se encontrar com a moça. Bateu mais forte na canoa, que bateu na pedra, virou de lado, encheu de água. Desceu para o fundo do poço.
Nadou com firmes braçadas. Para se encher de ânimo, o moço dizia para si, entre os redemoinhos da alma. “Nada, nada, nadador, se queres ver o teu amor.” Até que pisou em terra firme. Estava cansado, o peito arfava. Colheu flores silvestres no barranco, antes de prosseguir na jornada.
Já desanimada, a moça não mais esperava que ele aparecesse. Ouviu alguém bater palmas lá fora. “Tem alguém aí em casa?” Apressada foi abrir a porta. Queria saber de quem eram as palmas fortes. Assustada, viu o moço que aparecia risonho, um rosto de expressão vitoriosa.
Entregou à moça o buquê de flores. Pediu uma xícara de café quente. Sentou na cadeira da sala, vestido com outras roupas, limpas e engomadas, que a própria moça providenciara. Depois de aquecer o peito com o café, bebido aos poucos, começou a contar por que se atrasara. O vento cheio de ciúme bateu na canoa com uma rajada medonha, suficiente para fazer um rombo na popa. A canoa afundou. Para não esmorecer na travessia, fortaleceu a vontade com uma coragem impressionante. Impeliu-se em arrojadas braçadas. Nada o atemorizava. Nem o poço fundo, a correnteza poderosa, o vento incontrolável, que enciumado assoviava na manhã tormentosa.
Durante a difícil travessia, só queria que chegasse aquela hora para dizer à moça o que sempre desejara:
– Estou esperando na igrejinha para receber você como a minha esposa.
Como havia prometido, desde aquele dia em que o artesão afamado deu o seu primeiro beijo na tecelã amada.
Cyro de Mattos
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