O liceu ficava em L..., a cidade onde havia o teatro e a sinagoga. Tomávamos, manhã cedo, o comboio e, com gesto arrogante, estendíamos o passe anual ao revisor.
- O meu pai é comerciante. Sou israelita.
Na escola primária tudo fora natural. No liceu colegas viraram-se e olharam-me. Mais duas judias faziam parte da turma e uma delas, Hanna Berg, respondeu à pergunta com voz firme: «Sou judia». Os gestos de Hanna eram extraordinariamente vivos e comunicativos, enquanto nos seus olhos havia a expressão dessa melancolia penetrante das seculares lendas de sabedorias e flagelos.
Hanna propôs-me que a acompanhasse a uma reunião dos sionistas. E nessa tarde. em que conheci o grupo juvenil a que ela pertencia, compreendi por que razão dissera com tanta firmeza: «Sou judia».
Numa sala espaçosa vi rapazes e raparigas de blusa branca e gravata azul e, encostada a um canto, a bandeira azul e branca. Hanna saudou o grupo com «Shalom», «paz», e todos lhe responderam do mesmo modo.
Desprendeu-se do grupo um rapaz. Bateu palmas. Fez-se silêncio, e ele disse:
- Vamos começar.
Hanna indicou-me uma cadeira e segredou-me:
- É o Bertold. Repara bem nele.
Bertold: alto, de calções de camurça, expressão franca e decidida. Levantou a mão para dar sinal de começar e vi que era uma mão larga e forte. No momento em que Bertold dobrou os ombros para trás, endireitou o tronco e moveu a mão, os rapazes e as raparigas começaram a falar em coro: primeiro um murmúrio crescente, depois vozes altas, vigorosas, que pareciam vir duma grande massa de gente. Diziam de injustiças, de orgulho, de expectativa duma vida livre em Israel. Como um chefe de orquestra, Bertold regia-os. Juntava as mãos em concha para em seguida as erguer num movimento rápido: as vozes elevavam-se; abria os braços como quem pedia para recuarem: as vozes baixavam; rasgava o ar com as mãos: as vozes emudeciam. As frases esperançosas, a convicção com que eram ditas, isso impressionava-me fortemente. Concluí que aniquilaram todas as dúvidas e resignação dos velhos, que encontraram rumos novos. «Devemos ter orgulho por sermos judeus», diziam os velhos, mas na verdade procuravam apenas consolo. Esses jovens, porém, esses sim orgulhavam-se deveras.
Depois das declamações começaram a dançar a «horra». Deitando os braços pelos ombros uns dos outros formavam um círculo, rodavam para a esquerda sempre para a esquerda, alegres e entusiásticos. Cantaram a comunicativa melodia da «hatikwah», a canção da «esperança».
Excitada, falei em casa da reunião. Tencionava voltar lá para aprender a falar em coro, dançar a «horra» e cantar a «hatikwah». Mas tanto o meu pai como a minha mãe acharam que não, que isso não me servia. Só me meteria na cabeça a emigração para a Palestina e eu, como boa alemã, não devia abandonar a pátria a que pertencia.
Quando falei ao sr. Heim, sorriu um tanto triste:
- Repara, Rose, o meu rapaz também anda com os sionistas e por isso há discórdia em casa. Ele e a mãe quase que não se falam
Ilse Losa, "O mundo em que vivi"
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