Agustín Sciammarella |
Suas tentativas para se distanciar do universo juvenil —o romance Morte Súbita e a série noir assinada como Robert Galbraith— e se aproximar da literatura para adultos deterioraram, de certa forma, sua imagem perfeita, apesar de conter o principal ingrediente que fez da saga de Harry Potter um campeão de vendas: personagens vivíssimos, no que parece um cruzamento perfeito entre Stephen King e Roald Dahl. O que se dizia, e ela não abria a boca a respeito, era que seus leitores haviam permitido que Barack Obama chegasse à presidência dos Estados Unidos, por sua visão tão inovadora do mundo. Posteriormente, talvez sua obsessão por não conceder entrevistas tivesse algo de prudente, por suas opiniões nem sempre tão progressistas.
Costuma se dizer que uma reputação demora anos para ser construída, mas bastam cinco minutos para arruiná-la. Hoje em dia, bastam uma publicação no Twitter e uma briga virtual. O peixe morre pela boca. E também J.K. Rowling para muitos fãs, que desterraram seu nome de tudo o que tem a ver com a saga e a acusam de antissemitismo —os duendes do Gringotes têm muito da caricatura que os nazistas faziam dos judeus—, antifeminismo —o papel de Hermione é sempre secundário—, discriminação aos gordos e classicismo. O detonador foi sua reação a um artigo chamado Criando um mundo pós-Covid-19 mais igualitário às pessoas que menstruam, afirmando que essas pessoas antes eram chamadas de mulheres.
A comunidade trans e, em geral, muitos de seus seguidores entenderam como um ataque transfóbico, do qual Rowling se defende afirmando que não se deve eliminar o gênero biológico da equação e justificando-se, em seu site, pela misoginia sofrida e sua luta como mulher que nasceu “20 anos antes” do que gostaria. Ela foi automaticamente incluída no grupo das chamadas TERF, as feministas trans-excludentes, mas quem pregou seu caixão foi Stephen King. Primeiro compartilhou uma mensagem da escritora sobre a violência dos homens contra as mulheres. Quando ela lhe agradeceu, declarando-se fã, King contra-atacou: “As mulheres trans são mulheres”. Em segundos, Rowling apagou a conversa, mas isso não impediu que se transformasse na piada do Twitter.
O último capítulo de sua queda em desgraça —até os atores dos filmes de Harry Potter a criticaram— tem o formato de carta. Rowling faz parte dos 150 escritores e professores que assinaram um texto em que denunciam a intolerância do que chamam de “a cultura do cancelamento”. Salman Rushdie, Margaret Atwood e Gloria Steinem, entre outros, também assinaram a carta. Mas certamente foi o nome da mãe do garoto mago o que mais incômodo causou entre alguns desses mesmos assinantes. Muitos afirmaram que não sabiam quem eram os outros nomes da carta até ela ser publicada nesta semana na revista Harper’s.
O debate, e a guerra, voltaram ao Twitter. Ainda que o de Rowling agora esteja voltado somente às crianças: publica incessantemente os desenhos recebidos de seus seguidores mais jovens. Não à toa, alguns deles ilustrarão a edição em papel de The Ickabog, o conto infantil que distribui por entregas gratuitamente desde o começo da pandemia.
Laura Fernández
Nenhum comentário:
Postar um comentário