quinta-feira, julho 30

Reforma tributária de Guedes acena com taxação ao setor livreiro, que teme efeito 'devastador'

Há uma semana, editores e livreiros vivem uma apreensão além da pandemia do novo coronavírus. A tramitação da reforma tributária no Congresso Nacional acena com uma nova ameaça ao setor. A proposta apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no último dia 21, concede imunidade fiscal a igrejas, sindicatos, partidos políticos, entidades beneficentes e condomínios, mas não à combalida indústria do livro, que até hoje é isenta do pagamento do PIS e da Cofins graças à Lei 10.865, de 2004. Se o texto da reforma for aprovado como está — e se não for aprovada uma nova lei que dê imunidade fiscal aos livros —, o setor passará a pagar a alíquota de 12% da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que extingue o PIS e a Cofins. Para o presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Marcos da Veiga Pereira, o efeito seria “devastador”. Desde a última sexta (24), quando a primeira notícia sobre o assunto foi publicada pelo colunista Ancelmo Gois, O GLOBO procura o ministério para esclarecer a questão. Até o momento, não houve resposta.

— O livro tem que ser visto como um bem essencial. Apesar de sermos comparativamente uma indústria pequena, somos muito relevantes em termos de contribuição para a sociedade. Isso exige um olhar mais atento do governo — defende Pereira.

Segundo o presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Vitor Tavares, a proposta apresentada deixou o setor “cético e preocupado”. Ele afirma que, por meio de suas entidades de classe, editores e livreiros estão buscando diálogo com deputados e senadores e tentando convencê-los a estender a imunidade fiscal à indústria do livro.

— Num país onde o livro já é um produto de difícil acesso, tanto pelo baixo índice de leitura quanto pela produção aquém do ideal, o impacto de uma nova contribuição será terrível e certamente provocará aumento dos preços — diz.


O mercado editorial brasileiro anda mal das pernas há tempos: encolheu 20% entre 2006 e 2019, segundo a pesquisa divulgada no início do mês pelo Snel e pela CBL. Nesse mesmo período, o preço médio do livro, descontada a inflação, caiu 34%. Em 2018, as duas maiores redes de livrarias do país, a Saraiva e Cultura, pediram recuperação judicial. Apesar de tudo isso, o segmento vinha reagindo. Mas aí aconteceu a pandemia, as livrarias foram obrigadas a fechar as portas e as editoras tiveram de desacelerar a produção, derrubando o faturamento do setor em abril e maio.

Para Bernardo Gurbanov, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), o novo tributo obrigaria o setor a um “equilíbrio delicadíssimo” para manter preços acessíveis.

— É necessário que o poder público, em todas as suas instâncias, e a sociedade percebam que o valor dos livros não se mede por um somatório de números tributáveis, mas diz respeito à construção da cidadania — diz Gurbanov. — Nosso alerta tem que ser claro: essa medida é contraproducente não só para o setor do livro, mas para toda a sociedade.

A Constituição Federal proíbe a cobrança de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado à impressão”. No entanto, a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviço proposta pelo governo não é propriamente um imposto, mas sim, como o próprio nome anuncia, uma contribuição. No Brasil, há três tipos de tributos: impostos, taxas e contribuições sociais. Impostos e contribuições são arrecadados para custear a atividade pública. Diferentemente dos impostos, as contribuições sociais têm destinações específicas (como o financiamento da seguridade social, no caso da Cofins). Já as taxas são pagas em contrapartida a serviços prestados pelo Estado, como a emissão de documentos ou o licenciamento de veículos.

— Se aprovada a reforma, a isenção fiscal dos livros passa a depender da aprovação de uma nova lei pelo Congresso — explica Osmar Simões, sócio do escritório Chediak Advogados.

Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, da Leitura e da Escrita, a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) diz que irá defender a imunidade fiscal para os livros. Ela é autora de um projeto de lei que propõe linhas de crédito especiais para socorrer editoras, livrarias e sebos durante a pandemia. Fernanda lembra que, em contrapartida à isenção do pagamento do PIS e da Cofins, as entidades representativas do setor financiam há anos a pesquisa “Retratos da Leitura do Brasil”, que é referência para a formulação de políticas públicas de incentivo à leitura.

Em 2015, a International Publishers Association (Associação Internacional de Editores, IPA) divulgou uma pesquisa sobre a tributação de livros em 79 países. De todos os analisados, 31 (39%) não taxam a venda. Nos demais, o imposto médio sobre as publicações impressas é de 5,75%, e sobre e-books é de 12,25%. Dos nove países latino-americanos analisados (Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e México), o Chile é o único a taxar a venda de livros (19%). “Taxar livros restringe sua circulação, o que deve preocupar os países em desenvolvimento que tentam reduzir seu déficit de conhecimento e também os países desenvolvidos que tentam manter sua competitividade”, conclui a pesquisa.

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