sábado, julho 11

A metamorfose às avessas

Ao acordar num oco de pau uma bela manhã, um inseto viu-se transformado em homem enorme. Ainda sem consciência do que acontecera, tentou voar a uma árvore florida: os membros desajeitados golpearam ridiculamente o ar e as mãos estalaram de encontro às coxas. Então viu que estava nu e sentiu vergonha e medo. Com folhas e cipó fez seu primeiro trabalho, uma tanga mal alinhavada.

Reduzido a duas pernas, a posição vertical o fatigava: tentou caminhar sobre os quatro membros sem notar nenhum alívio, ferindo os joelhos e as palmas das mãos nas pedras do caminho. Pesava-lhe a cabeça, entronizada em um pescoço longo e sem firmeza, apercebendo lá dentro um tumulto, como um bando de insetos invisíveis, querendo gerar em dor moral o primeiro pensamento. E criado o primeiro pensamento – este: sou o rei dos animais – sentiu um cansaço imensamente humano. Mas, mesmo que ferido pelo que julgava um ponto de partida para o entendimento da realidade, viu que o tumulto interior aumentava: era um zumbido de ideias confusas e fragmentadas, a exigir do antigo inseto uma teoria geral do universo. Querer entender o mundo era isso: reagir à insegurança fatal que o ameaçava, como se um mosquito fosse compelido a elaborar a filosofia do sapo que o devora. E o novo homem, pela primeira vez, sentiu nostalgia da condição de inseto, quando seria devorado pelo sapo com a naturalidade inconsciente e doce das leis cósmicas. Uma consciência incompleta era a doença que roía o homem, como se víssemos não o cão inteiro, mas a metade do cão, não a ideia inteira, não a palavra inteira, mas as metades da ideia e da palavra. 

O inseto que virou homem foi caminhando com esforço, encontrando montanhas e vales, rios e florestas, pedras e pântanos, luz e sombra, o vento exaltado e a mudez do ermo. Tudo isso passava pelas antenas de seus novos sentidos humanos e prosseguia pela rede elétrica de seus nervos, em choques alternados de excitação e abatimento. Ao mal-estar que resultava dessa inelutável sequência deu o nome de alma. E a alma, que ele não sabia o que era ou onde ficava, teve a necessidade insuportável de abrigar-se na mão de Deus. Como Deus não fosse visível, ele deu o nome de Deus às coisas. Mas ficou insatisfeito porque estava separado das coisas, já que era levado a procurar entendê-las. Sem Deus, mas precisando de Deus, ele continuou, desamparado e vazio, sentindo fome, tristeza e desejo sexual ao cair da noite. Tentou comer um monte de esterco, como fazia nos seus tempos de inseto, e a repugnância lhe provocou o vômito. Uma coisa dentro de si mesmo o separava das outras coisas do mundo: era um pobre homem, um homem só, sob o calor distante das estrelas. Adormeceu muito tarde, depois de pensar muito na condição humana, apavorado pela morte.
Paulo Mendes Campos, "O anjo bêbado"

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