quarta-feira, julho 15

Duas mulheres enfeitiçadas pelo amor

Ann Redpath 
Nos sonhos que a possuíam e deliciavam, ela era seduzida por um homem de feições e corpo indefinidos – às vezes no metrô, às vezes no cinema, às vezes na praia – e se entregava a ele com uma volúpia que a fazia acordar murmurando ainda:

“Edvaldo, Edvaldo.”

Nesses momentos, meio dormindo meio acordada, ela tentava resgatar o sonho e capturar o rosto do amante noturno, mas era inútil. Não sabia se Edvaldo era loiro, moreno, se seus olhos eram verdes, azuis, castanhos ou negros, se tinha bigode ou não. Misterioso Edvaldo, que a fazia acordar exausta, mole e largada como nos tempos nos quais, adolescente, se acabava em baladas que começavam antes das dez e jamais acabavam antes das quatro da madrugada.

Era uma época em que, tendo só o compromisso de ir à escola, à tarde, podia dormir até ser acordada ao meio-dia pela mãe, com um suco e um prato de pão, geleia e cereais. Agora, com o trabalho das nove às seis na loja de móveis e morando sozinha, depois da morte da mãe e do pai, acordar podre como ela acordava depois das folias com Edvaldo era péssimo para o humor e a disposição de quem dependia de comissão nas vendas para viver.

Sua situação no emprego já estava a perigo quando o subgerente, um gorducho trintão e simpático chamado Paulo, lhe disse um dia, como se estivesse apresentando um orçamento a um cliente, que pretendia se casar e formar família. Não estaria ela, por acaso, interessada em ser a mulher dele? Ele apreciaria muito se ela aceitasse. Ela pediu para pensar um pouco. No dia seguinte, aceitou.

Ela não fazia questão, porque só tinha duas tias e três primos distantes, mas Paulo queria que o casamento fosse uma festa inesquecível para a sua família, tão numerosa que, dizia-se, poderia eleger um vereador. Nos três meses que duraram os preparativos, houve noites em que Edvaldo, o misterioso e inconveniente Edvaldo, visitou duas vezes a noiva de Paulo, em sonhos. Ela acordava suando, aflita, sentindo-se pecadora. Como agiria Paulo se, casados, a ouvisse murmurar, dizer, gritar aquele nome estranho? Hesitou, receou, martirizou-se, mas no dia marcado foi à igreja – uma linda noiva, achou a família de Paulo.

Casada com Paulo, hoje ela não precisa mais vender móveis. É dona de casa, só, e dizem que muito boa. Ainda sonha, às vezes, que se encanta com um homem no metrô, no cinema ou na praia, mas os sonhos são menos agitados e ela não acorda dizendo nenhum nome. Sente-se pecadora ainda, mas não tanto. Paulo, agora promovido a gerente, próspero e feliz, ostenta na sua mesa, na loja, uma foto dele, da mulher e dos dois filhos: Maiara e Edvaldo.

***

Viúva, a caminho dos sessenta anos, a mulher foi tomada por uma paixão furiosa pelo entregador da farmácia. Quando sentiu que tremia inteirinha sempre que ele encostava a moto e tocava a campainha, ela tentou lutar contra isso. Lutou e perdeu. Perdida a luta, começou a pedir, a todo instante, remédios para todos os males e para nenhum. E tremia, tremia, tremia inteirinha.

Um dia, convidou o rapaz para um lanche. No outro, para jantar. E assim foi. Um lanche, um jantar, outro lanche, outro jantar, e uma noite o rapaz ficou para dormir.

Quando os dois acordaram, ela olhou para ele e suspirou:

“Você me enfeitiçou. Só pode ser. Deus vai me castigar pelo meu pecado. Nesses últimos tempos, eu tenho pensado mais em você do que nos meus dois netos. Já imaginou minha situação?”

O rapaz, a quem ela havia levado café e bolachinhas na cama, bocejou e deu sua opinião:

“Não deve ser fácil.”
Raul Drewnick

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