sábado, julho 18
São Paulo: 1945
"...Cavalo e carroça na esquina carregados de uva (a pata batendo toc-toc no paralelepípedo), o italiano e a balança enferrujada, dava para escrever o nome na poeira branca que cobre as uvas; ladeira com sombra e carrinho de madeira de roda quebrada (escrito com carvão: sai da frente!), o fícus caído: aquela resina branca que vira preta na palma da mão. No fim da ladeira um mato e o quartel; no mato, um tico de rio, raso, barrento e pobre de rãzinhas pretas e aflitas que se batem numa lata de manteiga cheia de água de torneira (o reflexo gorduroso que você carrega pingando ladeira a cima). Um barro cinza que é para esculpir o rosto da tia (guardado na garagem sem carro e cheia de garrafas, jornais, poeiras e frascos com águas coloridas: refresco de bala e papel crepom). Colher frutas que não se comem, quentes e verdes, correr com elas apertadas entre as bolas de gude no bolso: saquinhos de feijão que caem na calçada: primeiros pingos de chuva na rua, pingos enormes de moeda de quatrocentão (esperar a enxurrada se formar no bueiro da ladeira, ir lá pegar no jorrar). As pedras que caem: escolher uma mais redonda que as outras, errar de dedos cortados ao fazer atiradeira, a topada no asfalto, o joelho esfolado (como se bate e como se cicatriza e como é rápida a ferida). O homem das cabras na porta vendendo leite: o leite é ruim, as cabras são boas. A garoa, a chuva de tarde: do cimento quente emana um respirar úmido de corpo. Entrar suado no ladrilho fresco e rubro da cozinha e à beira da pia, fumegando com bala de coco derretida, pedir rindo (a cara é de quem vai dar e não pedir): água, Maria, água. E a água a escorrer (como tudo escorre) fininha do filtro: seu gosto é de sombra e eco, e um pingo de pedra de riacho: faz um sininho na boca. Voltar à rua, sentar no meio-fio, olhar com inveja o operário que ao lado, com a mão, come bolinhos de carne. Meio-dia, apito, meio-fio. Catar pedaços de madeira na loja do japonês, roubar um prego, com ele escavucar o nome no tronco da árvore no meio da vila branca. No fundo do bolso encontrar a bala melada, a figurinha amassada, correr até o empório, cuspir na serragem, desabalar na ladeira (como há ladeiras) a moeda a brilhar na mão, trocá-la pelo sorvete, tocar com a testa o sorvete de abacaxi, lambuzar as mãos, levá-las pegajosas á poeira e nunca mais tomar banho de limpar, mas são de refrescar. Mas na hora do banho descobrir que o banho é bom. E não querer deitar. Mas descobrir que o deitar é bom. E amanhã acordar, para descobrir que o acordar é bom, que trará as ladeiras e os focinhos molhados dos cães, e as cordas e amarrá-las: os pés descalços de novo na terra fincar. E correr e correr e correr: como se no planalto estivesse para sempre empinado na crista de uma onda, que nunca se estoura, atravessada pelo sol, encrespada em azuis, atrás de uma bola, a pular, a girar, a quicar sem parar, sem parar, sem par...ar: ah!: ah!: verão, visco, ponto e exclamação. Grito e pulmão. Tudo escorrega e cai, tropeça, topa, derrete e mela. Sobe e desce, desce e sobe: que menino meu Deus! Já pra dentro! Ti-tôooo! MA-nhêeee!...
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