terça-feira, agosto 25

Elogio da Natureza

Austen Pinkerton (Inglaterra, contemporâneo) Acrílica sobre tela, 30 x 40 cm
Austen Pinkerton

Muito aprecio passarinhos nidificando pelos beirais. Mais pelo beirais do que pelos ninhos em si. As aves parecem apreciar, como eu, o conforto de vigas sólidas de metal. Gosto das cegonhas nos postes de eletricidade. Por entre as delicadas, esguias e sábias patas do animal, a densa e rebelde cabeleira do seu seguro ninho, assente nos fios por onde escorre a nossa bendita luz. Gosto muito de aldeias velhas, antigas e pitorescas vistas da janela de um avião. Como é agradável ir a França numa hora e meia. Gosto dos pêssegos da árvore do meu jardim e da comida dos aviões. Muitos dos nossos antepassados atravessaram os Pirenéus a pé, em vastos grupos de pessoas que o nosso país ia (e ainda vai) cuspindo das suas fronteiras para fora. Quando lá chegavam, eram outro grupo, uns morriam e outros nasciam pelo caminho. Como é linda a turbopropulsão. Gosto de ver as margaridas e os trevos perfurando o alcatrão, teimando contra o fumo e contra os passos com pressa. Tal qual a flor de Drummond, teimando por entre o cimento e a náusea. Gosto de ver as sebes aparadas que dividem os lotes, sossegando, como eu, ao som das sirenes que vão zelando dia e noite, com olfato de dobermann, pelo bem-estar da nossa civilização. Muito aprecio a Lua cheia por entre os ramos do jacarandá, mais a mais sabendo que já por lá alguém andou, quase que se vê a bandeirinha da América e as pegadas das botas do nosso companheiro de espécie. Muito me aprazem pombas e pombos em cópula nas cúpulas das catedrais, alimentados a milho proveniente das mãos generosas de cidadãos seniores. Regozijo por sob as camisas, cuecas e fardas bailando nos estendais ao som do coro das buzinas e dos pregões, felinos dobrando a esquina com ar de desprezo, ratos aos restos nas lixeiras, pactos e fatos nas cimeiras, apertos de mão, baratas nas traseiras, gravatas e bravatas nas gargantas, cada qual executando com firmeza e humildade a sua missão, neste emaranhado novelo que chamamos “civilização”, onde das duas uma: ou nada é milagre, ou tudo, absolutamente tudo, é um inequívoco, insofismável, inexorável, insondável e perfeito milagre da criação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário