domingo, julho 24

Carta ao meu cão

Sei que não sabes ler. Sei que não conheces as letras. Mas sei que sabes tudo sem elas. Por isso te escrevo para te dizer aquilo que não lês. Que te espero incessantemente nesta casa que é tua. Tudo está tão só sem ti. Aqueles latidos que nos dirigias , quando chegávamos sem te ter levado connosco, como lhes sinto a falta. Detestavas ficar em casa sozinho. E nem sempre era possível levar-te. Tu sabia-lo , mas também sabias que estarmos juntos era muito melhor. Somos uma família. E és um elemento importante que de todos necessita. São os mimos que recebes e que retribuis com essa mansa solicitude que nos enche o coração. Estás para todos em constante bonomia.

Nem sei se sabes quanto me delicias, quando te aninhas aos meus pés, sempre que me sento para escrever . O tempo tem outra dimensão. E a leveza do teu respirar dá às palavras a fluidez certa. E, sem ti , tudo se torna pesado. As palavras engasgam-se para se soltarem em redondo movimento, quase estranha e errática litania.

Tudo aqui reflecte a tua ausência. Não há um único espaço da casa que não fale de ti. De tudo sabes, de tudo relatas, de tudo te ocupas. Nunca deixaste de guardar este nosso território. É o nosso lar. E como o conheces bem.
E agora, meu amigo, como estar aqui sem ti?! Há tantos dias que estás a lutar pela vida, nessa casa com tantos tubos na pele. Não é esse o teu espaço. Todos nós o sabemos. Ver-te assim é uma dor que magoa. E magoa mais ainda ter de te deixar aí , sem nós, para regressar aqui , sem ti.

Que Deus te ajude, meu querido Ziggy. Esperamos por ti.
Eugénio Lisboa

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