quinta-feira, julho 14

Um encontro

Foi Joe Dillon quem nos apresentou ao Velho Oeste. Ele tinha uma pequena biblioteca formada por edições antigas de The Union Jack, Pluck e The Halfpenny Marvel. Todo entardecer depois da escola a gente se encontrava no quintal da casa dele e promovia batalhas contra os índios. Ele e Leo, o preguiçoso e gorducho irmão mais novo, resistiam no celeiro da estrebaria enquanto tentávamos tomá-lo de assalto; ou então travávamos uma batalha campal no gramado. Mas, por melhor que lutássemos, nunca ganhávamos os cercos nem as batalhas, e todas as nossas investidas terminavam com a dança da vitória de Joe Dillon. Os pais dele iam à missa das oito toda manhã na Gardiner Street e o perfume tranquilo da sra. Dillon dominava o corredor da casa. Mas ele brincava de um jeito intenso demais para nós, que éramos mais jovens e mais tímidos. Parecia um índio quando zanzava pelo quintal com um velho pano de chá na cabeça, batendo numa lata com o punho e gritando:

– Ya! Yaka, yaka, yaka!

Ninguém acreditou quando disseram na escola que tinha vocação para a vida eclesiástica. Mesmo assim era verdade.

Um espírito de desobediência se espalhou entre nós e, sob essa influência, diferenças de cultura e de constituição foram deixadas de lado. Nos reunimos em um grupo, uns por orgulho, uns pela brincadeira e outros pelo que mais parecia um temor; e entre esses últimos índios relutantes que tinham medo de parecer diligentes ou pouco robustos estava eu. As aventuras narradas na literatura do Velho Oeste eram distantes da minha natureza, mas pelo menos me revelaram uma rota de fuga. Eu preferia certas histórias americanas de detetive em que às vezes apareciam garotas desleixadas, corajosas e bonitas. Mesmo que não houvesse nada de errado com essas histórias e que por vezes tivessem uma pretensão literária, circulavam em segredo na escola. Um dia quando o padre Butler estava ouvindo as quatro páginas de História Romana o desastrado do Leo Dillon foi descoberto com um exemplar de The Halfpenny Marvel.

– Essa página ou essa? Essa aqui? Dillon, de pé, agora! Mal o dia havia... Prossiga! Que dia? Mal o dia havia raiado... Você estudou em casa? O que é que você tem no bolso?

O coração de todos palpitou quando Leo Dillon entregou a revista e todos adotaram uma expressão inocente. O padre Butler folheou as páginas com a testa franzida.

– Que porcaria é esta?, perguntou. O cacique apache! É isso o que você está lendo em vez de estudar História Romana? Não quero mais saber dessas bobagens aqui no colégio. O autor dessa história deve ser um borra-tintas que escreve em troca de bebida. Fico surpreso ao ver que garotos que tiveram uma educação como a de vocês leiam esse tipo de coisa. Eu até entenderia se vocês fossem... alunos da National School. E agora, Dillon, eu o aconselho sinceramente a trabalhar direito, senão...

Essa reprimenda durante as nossas sóbrias horas de estudo acabou com boa parte da glória do Velho Oeste para mim e o rosto confuso e inchado de Leo Dillon despertou uma das minhas consciências. Mas quando a influência restritiva da escola ficou para trás eu comecei a sentir sede de emoções fortes, da fuga que somente aquelas crônicas da desordem pareciam me oferecer. As guerras de faz de conta ao entardecer no fim tornaram-se tão enfadonhas para mim quanto a rotina da escola pela manhã porque eu queria que aventuras de verdade acontecessem comigo. Mas aventuras de verdade, refleti, não acontecem com pessoas que ficam em casa: precisam ser buscadas em lugares distantes.
James Joyce, "Dublinenses'

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