“Um dia nós seremos atacados?”, foi o que minha filha perguntou outro dia, porque o assunto ambiente devia estar rondando alguma das cotidianas tragédias de uma população armada. E como é que às vezes desatamos a comentar barbaridades como se uma criança, por ter seu halo de mundo próprio, não nos ouvisse nem levasse para dentro o que dizemos? Está certo que não é para já destampar o poço do hediondo nem interessa ensaiar em casa as bofetadas do mundo, mas a prática de pequenos assombros talvez não seja de todo desaconselhável, uma vez que sempre há aqueles inopinados, inevitáveis, que não poupam nem aos menores de idade. Por exemplo, de tanto ter visto gente morando ou andarilhando na rua, minha filha merece saber que muitos desses que hoje vagam por aí já tiveram casa, família, talvez até outro nome, e que qualquer um, minha filha, qualquer um pode parar na rua, um dia. E antes que o ar fique muito grave ou o chão excessivamente frágil, cai na roda outro assunto, não menos real nem tão longínquo para uma criança quanto parece ser para nós, também notícia desses dias, aquele incêndio esplendoroso no céu pelo telescópio James Webb, todo aquele espetáculo, enquanto aqui embaixo a gente se engalfinha, luzes que nem parecem velhas, tão resplandecentes que parecem fogo fresco, para acabar de uma vez só com todas as nossas armas e praxes de truculência. Mas, afinal, chega de fogo. Me conte você, minha filha, como era mesmo aquela história que você inventou, também outro dia? Era uma vez um menino que vivia num mundo onde tudo e todos faziam sentido, só ele não.
Mariana Ianelli
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