Feito essas massas de ar seco que impedem a chegada das chuvas, há algo no ar bloqueando a esperança. Isolados, respiramos o hálito cansado que nos mantinha vivos, mas que, agora, parece nos paralisar. Resta aguardar que um tufão, nascido de um suspiro que se supunha derrotado, retraga um mínimo de horizonte. Saberemos quando isso acontecer pelo desenferrujar das bocas.
Esse algo no ar veio de longe: antes, desanimou outras terras, enfraqueceu homens e colheitas e, em alguns cantos, causou estrago difícil de remontar. Quando aqui chegou, veio experiente, sabedor do que fazer para instalar o desalento. Se, no caminho, alguma gente o tivesse debelado, quem sabe? Mas foi o contrário: o que era ranço ficou norma; desvio virou caminho. O mundo é fraco, indefesos somos todos.
Tentamos conter a vaga com passaportes e guaritas, inútil; os foguetes enviados para dispersar deram chabu; os apelos foram ignorados, as duras consequências, confirmadas. Para piorar, a negação e ignorância dos homens, aliadas a uma impressionante petulância mostraram o caminho seguro para o inimigo.
Pois eis que há no ar um mundo subterrâneo, habitado por ignorância e sortilégios. Não aprendemos com o medo, não ficamos melhores, os que se dignaram pouco puderam fazer. Para nossa salvação, contamos com os heróis que se lançaram, correram o risco, perderam o sono, trocaram as bandagens e ainda trouxeram conforto em palavras. Mas, mesmo estes, foram tombando aos poucos.
Mas um momento: o que é isso? Está acontecendo mesmo uma risada? Da janela vejo abraços? Há gente nas calçadas? São os irresponsáveis de há pouco ou são abraços de glória? Estou sonhando com um novo ritmo, ou é efeito desse tipo de gás, que primeiro nos ilude e depois nos abate?
Sim, é verdade. O que está no ar está mesmo perdendo efeito, desistindo de permanecer, talvez já saciado com o estrago que causou. Um a um, nos recompomos e sopramos com força. Abrimos as portas de casa, espiamos o movimento das ruas – então, é verdade! Procuramos lembrar como era essa coisa de sorriso. Aos poucos, aos muitos, surge a convulsão de alegria, que derrama lágrimas de outro tipo. As janelas, abrigos e os homens se abrem, voltamos a escancarar o que se dissimulava. Uns socam o ar na comemoração, outros dançam nas praças, outros ainda se arrastam ajoelhados na grama dos parques. A comida é repartida; as dívidas, perdoadas; os inimigos proseiam sentados no chão. Sejamos melhores do que nunca fomos.
Imensa é a responsabilidade dos sobreviventes.
Cássio Zanatta
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