sexta-feira, setembro 6

A jaqueta no alto do mastro

Devo mais uma vez chamar atenção a minha jaqueta branca, que na mesma época quase me levou à morte.

Meu humor tende ao reflexivo, e no mar eu costumava subir à gávea à noite, sentar-me numa das vergas superiores, cobrir-me com minha jaqueta e perder-me em pensamentos. Em alguns navios em que fiz isso, os marinheiros costumavam pensar que eu fosse algum estudioso da astronomia — o que, em certa medida, era realmente o caso — e que meu objetivo em subir à gávea era ter uma melhor perspectiva das estrelas, supondo, evidentemente, que eu fosse míope. Alguns dirão se tratar de uma ideia bastante estúpida, mas não é o caso — pois, decerto, a vantagem de se aproximar sessenta metros de um objeto não deve ser subestimada. Estudar as estrelas sobre a amplidão infinita do mar é tão divino quanto era aos magos caldeus, que observavam as revoluções celestes da planície.

E é um sentimento bastante reconfortante, que nos funde com o universo das coisas e nos transforma em parte do Todo, pensar que, por onde quer que nós, peregrinos dos oceanos, naveguemos, teremos as mesmas, vetustas e gloriosas estrelas a nos fazer companhia; que elas continuarão a brilhar a nossa frente e para todo o sempre, lindas e luzentes, seduzindo-nos, com cada um de seus raios, para nelas nos perdermos e nelas conhecermos a glória.

Sim! Sim! Nós, marinheiros, não navegamos em vão. Expatriamo-nos para ganhar cidadania do universo; e, em todas as nossas viagens ao redor do mundo, ainda somos acompanhados daquelas velhas circum-navegadoras, as estrelas, companheiras de bordo e de faina — singrando o azul do céu como nós o azul dos mares. Que os mais afetados façam pouco de nossas mãos calejadas, de nossas unhas sujas de alcatrão — eles alguma vez apertaram mãos mais verdadeiras que as nossas? Que sintam nossos valorosos corações batendo como o malho nas bigornas quentes que são nossos peitos; que com o âmbar nos punhos de suas bengalas sintam nossos nobres corações e constatem que estes batem com a explosão de canhões de trinta e duas libras.

Oh! Quem me dera tivesse novamente a vida do aventureiro pelos mares — o júbilo, a emoção, a ação! Quem me dera mais uma vez te sentisse, velho mar!, mais uma vez sobre a tua sela. Estou cansado dos aborrecimentos e preocupações de terra firme; cansado da poeira e da fuligem das cidades. Que mais uma vez escutasse o estrépito do granizo sobre os icebergs e não o esforço arrastado dessa gente mole que abre penosamente seu caminho tedioso do berço ao caixão. Quem me dera sentir teu perfume, brisa do mar!, e gritar de alegria no espargir de tuas águas. Permiti-me, deuses do mar! Intercedei por mim junto a Netuno, ó doce Anfitrite, que nenhum torrão desta aborrecida terra caia sobre o meu caixão! Que meu seja o túmulo que engoliu o Faraó e suas hostes; que no fundo do mar eu descanse ao lado de Drake.

Mas, quando Jaqueta Branca fala sobre a vida do aventureiro, ele não se refere à vida num navio de guerra, que, com suas formalidades marciais e milhares de vícios, fere como uma adaga no coração a alma leve dos mais nobres navegantes.
Como disse, eu tinha o hábito de subir à gávea e lá ficar refletindo; e assim fiz na noite que se seguiu ao desaparecimento do tanoeiro. Antes que fosse rendido em meu turno no topo do mastro principal, me recostei na verga de sobrejoanete. A jaqueta branca envolvia-me como o sobretudo congelado em torno de sir John Moore.

O sino dobrava as oito, meus companheiros de turno se apressavam ao encontro de suas macas, o outro quarto ocupava seus postos, a gávea abaixo de mim estava repleta de estranhos, mas trinta metros acima deles eu estava em transe; ora cochilando, ora sonhando; ora pensando em coisas passadas, ora ocupando-me da vida futura. O último tema mostrou-se bastante oportuno, pois a vida porvir estava muito mais próxima de me surpreender do que eu então podia imaginar. Por fim, talvez já estivesse mais ou menos consciente de uma voz trêmula gritando da gávea na direção do sobrejoanete. Porém, se assim aconteceu, a consciência logo voou para longe de mim, deixando-me no Lete. Mas quando, como num relâmpago, a verga cedeu sob mim e, instintivamente, agarrei-me com ambas as mãos ao amantilho, voltei a mim num piscar de olhos e senti como que uma mão apertando minha garganta. Por um instante pensei que a corrente do Golfo em minha cabeça me engoliria num torvelinho rumo à eternidade; mas no instante seguinte vi-me de pé; a verga fora arriada à altura da pega; sacudindo-me em minha jaqueta, senti que saíra ileso e vivo.
Quem teria feito aquilo? Quem teria atentado contra a minha vida?, pensei comigo, enquanto descia o cordame.

“Aí vem ele!… Deus do céu! Aí vem ele! É branco feito uma maca.”

“Quem está vindo?”, gritei, saltando para dentro da gávea. “Quem é branco feito uma maca?”

“Meu pai santíssimo, Bill, é o Jaqueta Branca… mais uma vez esse inferno de gente!”

Aparentemente, eles tinham avistado um ponto branco movendo-se no topo e, como sói aos marinheiros, tomaram-me pelo fantasma do tanoeiro; e depois de terem me chamado e pedido que descesse, para testar minha materialidade, sem obter resposta, decidiram, por medo, largar a adriça.

Furioso, tirei a jaqueta e a lancei ao convés.

“Jaqueta”, disse eu, enérgico, “precisas mudar de aparência! Precisas correr aos responsáveis pela tinta e te tingir, caso contrário, não sobreviverei. Tenho só uma vida, jaqueta, e não posso perdê-la. Não posso consentir ser assim atingido em teu nome, mas em meu nome precisas ser tingida. Podes ser tingida muitas vezes sem qualquer prejuízo; mas eu, seguidamente atingido, me exponho a perda irreparável e a correr o risco eterno.”

Assim, pela manhã, de jaqueta em punho, me encaminhei ao primeiro lugar-tenente e relatei-lhe o risco que correra durante a noite. Fui enfático na descrição dos perigos mais gerais de ser confundido com um fantasma pelos marinheiros e pedi-lhe com firmeza que por um instante relaxasse suas ordens e solicitasse a Pincel, o capitão do paiol de tintas, um pouco de tinta preta para que, assim, eu pintasse minha jaqueta.

“Olhe para ela”, acrescentei, erguendo-a. “O senhor já viu algo mais branco? Imagine como brilha durante a noite, mais ou menos como um pedaço da Via Láctea. O senhor não pode recusar um pouco de tinta.”

“O navio não tem tinta a desperdiçar”, ele disse. “Vai ter que se virar sem ela.”
“Senhor, toda chuva me deixa ensopado; o cabo Horn está próximo… seis pincéis de tinta a tornariam à prova d’água; e eu nunca mais correria risco de vida!”
“Não posso fazer nada; vai embora!”

Sinto que, chegando ao fim de minha vida, as coisas não ficarão bem para mim; pois, se meus pecados só serão perdoados se da mesma forma eu perdoar aquele insensível e indiferente primeiro lugar-tenente, não haverá perdão para mim.

Quê? Recusar uma demão de tinta que transformaria um fantasma em homem, uma rede de arenques numa gabardina? Estou farto. Sem mais.

Herman Melville, "Jaqueta Branca"

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