Um dia, nos tempos de D. Miguel, certo saloio astuto foi condenado a acabar na forca por crime de morte de homem. Quando já estava no oratório, com o baraço ao pescoço, pediu que o conduzissem à presença do rei, porque queria, antes de morrer, revelar um facto importante à Sua Majestade.
Fizeram a vontade ao saloio, atiraram-lhe um ferragoulo de burel às costas, e levaram-no a Queluz.
– Que é que tu queres? – perguntou-lhe D. Miguel, fitando no homem aqueles olhos negros de italiano.
– Ah, meu Senhor! Queria pedir à Vossa Majestade que me concedesse mais um ano de vida. Não é que eu tenha medo da morte, meu Senhor, porque a gente não morre senão uma vez. Mas, com perdão de Vossa Majestade, eu estava ensinando o meu burro a ler, um burro de grande entendimento, que lá tenho em Loures, e custa-me deixar este mundo sem ver o animal ensinado...
– Quê? Então o teu burro lê?
– Já conhece as letras, meu Senhor!
O rei achou-lhe graça, chamou o conde de Basto, concedeu ao homem o ano de vida que lhe pedia e prometeu-lhe o perdão da forca, se ele lhe trouxesse o burro em estado de soletrar a Constituição de 1820.
– E agora, como é que tu te arranjas? – perguntava à saida o ministro ao saloio, que pulava de contente.
– Ora, senhor! Num ano, ou morre o rei, ou morre o burro, ou morro eu!
Júlio Dantas, "Os galos de Apolo"
Nenhum comentário:
Postar um comentário