Era tão pontual que os transeuntes, querendo saber as horas, não olhavam para o relógio da torre; olhavam para ele. Cada quarto de hora estampava-se em suas mãos, e a cada trinta minutos as rugas de seu rosto indicavam a medida do tempo.
Quando o relógio foi retirado da torre, para conserto, e nunca mais voltou, a presença do mendigo cresceu de importância. Muita gente lhe rogava que estendesse a permanência até findar o dia. Recusou-se a atender, alegando que tinha outras obrigações à tarde, sem esclarecer quais fossem.
No fim de alguns anos, era conhecido como o Tempo, mas a velhice fez com ele o que faz com os relógios. Já não fornecia indicações precisas, e causava grandes perturbações no horário das pessoas.
Tentaram removê-lo dali, e o Tempo não cedeu. A igreja foi demolida para dar espaço à nova rua. O Tempo continuou plantado no centro da pista, das sete às doze, sem que os guardas de trânsito conseguissem afastá-lo com boas ou rudes maneiras. Era evitado pelos motoristas e foi proclamado estátua matinal, atração da cidade.
Carlos Drummond de Andrade, "Contos plausíveis"
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