quinta-feira, setembro 26

Educação pobre

Não existe coisa mais perigosa que poder sem sonho, dinheiro sem visão. Dinheiro sem visão desanda a fazer besteiras que, depois de feitas, viram elefantes coloridos que comem e defecam em excesso sem nada produzir. Desconfio muito dos que, ao falar da educação, falam logo na falta de verbas. A maior pobreza da educação não se encontra na escassez dos recursos econômicos. Ela se encontra na pobreza da imaginação.

A educação se divide em duas partes: educação das habilidades, educação da sensibilidade. Sem a educação da sensibilidade todas as habilidades são tolas e sem sentido.

Conhecer por conhecer, conhecer tudo o que há para ser conhecido: isso é um estilo suíno de aprender.


Há saberes na cabeça que paralisam os saberes inconscientes do corpo.

“Que espantosos pedagogos nós éramos, quando não nos preocupávamos com a pedagogia!” (Daniel Pennac)

Contou-me o jovem médico, residente de psiquiatria: “Me aguardava uma velhinha. Antes que eu dissesse qualquer coisa, ela tomou a iniciativa: ‘Doutor, quero lhe fazer duas perguntas’. ‘Pois não’, eu disse. ‘O senhor é dos médicos que dão remédio ou só falam para curar?’ Respondi: ‘Sou dos que só falam para curar’. Ela continuou: ‘Agora, a última pergunta: Essa conversa que cura, ela é aprendida na escola ou é de graça?’”. A velhinha sabia muito, sem saber. Há saberes que não se aprendem. Nascemos com eles, por graça dos deuses.

Não basta que o aluno conheça o mundo. É preciso que ele deguste o mundo. Não basta que o aluno tenha ciência. É preciso que tenha sapiência.

Sabe-se muito sobre regras de gramática e análise sintática. Mas onde está o prazer da leitura? Ler gastronomicamente, vagarosamente, por puro prazer, sem a obrigação brochante de ter de preencher um questionário de interpretação.

O educador é um mestre de Kama Sutra, manual de sabedoria erótica. São os prazeres e as alegrias que nos dão razões para viver. Brecht, sofrido, disse que o único objetivo da ciência era aliviar a miséria da existência humana. Mas isso não basta. Não basta aliviar a miséria. É necessário produzir a exuberância dos prazeres.

Os saberes são navios. Para se construir navios é preciso ciência. Os portugueses no século XVI construíam trinta caravelas por mês. Tinham ciência. Aprenderam a ciência da construção de caravelas porque eram fascinados pelo navegar.

“Navegar é preciso; viver não é preciso...” Foi o sonho de navegar que gerou e pariu a ciência da construção de construir caravelas. A ciência é filha dos sonhos.
Caravelas não se fazem sem recursos econômicos. Mas recursos econômicos não fazem caravelas. Educação não se faz sem recursos econômicos. Mas recursos econômicos não fazem educação. É preciso o sonho. Recursos econômicos sem sonhos frequentemente dão à luz seres monstruosos…
Rubem Alves, "Do universo à jabuticaba"

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