Tive que fazer força com a chave. Receei que o homem se despencasse, porém deu alguns passos incertos, soltou o bastão (que não voltei a ver) e caiu vencido em minha cama. Minha ansiedade o havia imaginado muitas vezes, mas só então notei que se parecia, de um modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Seriam as quatro horas da tarde.
Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse: — A gente pensa que os anos passam somente para nós mesmos — disse — porém eles passam também para os outros. Aqui nos encontramos, afinal, e o que aconteceu antes não tem sentido.
Enquanto eu falava, ele havia desabotoado o sobretudo. Sua mão direita estava no bolso do paletó. Assinalava algo, e eu senti que era um revólver.
Disse-me, então, com voz firme: — Para entrar em sua casa, recorri à compaixão. Tenho-o agora à minha mercê e não sou misericordioso.
Ensaiei algumas palavras. Não sou um homem forte e somente as palavras poderiam salvar-me. Consegui dizer: — É verdade que há tempos maltratei uma criança, mas você já não é aquela criança nem eu sou aquele insensato. Além disso, a vingança não é menos vaidosa e ridícula do que o perdão.
— Precisamente porque já não sou aquela criança — replicou — é que tenho que matá-lo. Não se trata de uma vingança, mas sim de um ato de justiça. Seus argumentos, Borges, são meros estratagemas de seu terror para que eu não o mate. Você já não pode fazer nada.
— Posso fazer uma coisa — respondi.
— Qual?
— Acordar.
E assim o fiz.
Jorge Luís Borges, "Livro de Sonhos"
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